PATRIMÓNIO DOS POBRES

Confundi com outros o pedido daquela senhora que me implorava o pagamento de duas janelas para a sua casinha e pensei mesmo que já as tinha pago.

Quem normalmente me faz estes trabalhos para os pobres é um infeliz serralheiro, cuja oficina faliu, ficou a dever às entidades oficiais, perdeu a capacidade de abrir conta nos Bancos e emitir cheques e recibos. Assim, tenho de lhe pagar em dinheiro.

Ela alugou uma casa pré-fabricada, com as janelas podres e a porta da entrada no mesmo estado.

Coberta com telha de lusalite, largos e fundos canais, alguns já partidos, com dezenas de anos que alojaram naturalmente famílias pobres, saídas das barracas, mas agora desatualizadíssimas, as quais, ocupam um enorme espaço onde se poderiam construir prédios semelhantes aos que as ladeiam, onde poderiam viver pelo menos mil famílias, enquanto ali vivem cerca de cinquenta, aliviando assim a terrível pressão dos preços das casas e dos lucros insaciáveis de alguns senhorios.

Porta tenho eu, janela à medida não, por isso a senhora arranjou uma oficina que lhas fez e assentou. Demorou algum tempo a tratar do assunto, daí o meu esquecimento.

Normalmente, o que dou aos pobres são objectos bons: janelas de PVC, com vidro duplo, mais caras, mas muito melhores.

Eu não sabia a história da queda na pobreza desta senhora, mas agora fiquei a sabe-la. Já vivera de cara levantada numa casa comprada com empréstimo ao Banco, com carros e negócio, tudo em ordem, menos a saúde e uma filha que sofre de esclerose. O marido ganhou o vício do jogo e nele, perderam tudo.

Alugar casa na cidade? Como? A única saída foi deixar o marido com as suas iniquidades e alugar num bairro da Amora, por 150€/mês, uma casa velha onde se acolheu com os filhos.

Perdeu o emprego, tem apenas o rendimento mínimo que pouco mais vale que a renda da casa.

Trazendo as facturas e o recibo das janelas, veio desabafar que a casa mete água, sobretudo nos dias de chuva cerrada e abundante. Que as telhas humedecidas deixam passar água que corre em pingos grossos por baixo da cobertura.

Pôr janelas de boa qualidade numa casa em ruína é também pôr um remendo novo em pano velho, como reprova a Palavra de Jesus no Evangelho.

Tenho de lhe pôr um tecto novo, moderno, quente no tempo frio e fresco no verão. Tive mesmo que ir ver. Também para me inteirar da saúde da filha.

Peguei no carro, na senhora, e lá vou eu ver "para cheirar", como pede o Papa Francisco, a casa e a menina. Esta sofre de esclerose múltipla e não tem sido tratada por especialistas. Com muito tempo de cama, perdeu a escola e agora, com um corpo de mulher, está ainda a fazer a quarta classe. Nem uma cama, nem colchão adaptado à doença. Nada. Como se nada se tratasse.

Vai agora a um especialista. Dei-lhe 100€ em dinheiro para a mãe pagar uma consulta particular.

Verdadeiramente os meus olhos caíram sobre a adolescente, curvada, tão bonita e doeu-me a alma. 15 anos! Na flor da idade e naquele estado.

Vou-lhe pôr o telhado, apesar de 3.000€ da colocação, e comprar o material.

O dinheiro há-de vir. Deus não dorme. Eu não posso acomodar-me à sua falta. Confiamos, andando para a frente.

Vai levar telhado, portas interiores, arranjo nas paredes e na altura das portas que chegam ao tecto. E o Natal há-de sorrir-lhes.

Padre Acílio