PATRIMÓNIO DOS POBRES

A pedincha é ainda, no nosso tempo, o modo de sobreviver arraigado em certa raça de gente sem educação para o trabalho, a ordem e higiene, a qual vagueia por esse mundo à sorte e ao expediente.

O trabalho exige disciplina, horário, assiduidade e empenhamento. Sem estes quatro fundamentos, não há possibilidade de emprego certo.

Aqui há anos, ajudei a comprar uma casa para uma família. Além de alguns móveis e outras ajudas, dei sete mil euros para o Banco lhes emprestar o dinheiro.

A casa era boa, bem situada e os vendedores - quatro irmãos, filhos de um brioso pai falecido - deixaram a mobília e electrodomésticos da moradia por esta ir para uma família pobre.

O comprador trabalhava na Portucel e, com o Banco, parecia-me estar tudo assegurado.

Passado um ano ou pouco mais, vem o casal de dentro da referida casa pedir-me ajuda para pagar a prestação ao Banco.

- Então, já não está na Portucel? - Perguntei.

- Não. Acabei o contrato e mandaram-me embora.

- Se o mandaram embora é porque você não é bom trabalhador, pois ninguém põe um operário na rua se o seu trabalho lhe agrada. Então e, agora, vive de quê?

- Faço biscates.

Para salvar o dinheirinho do Património, dei-lhe duas prestações com um severo recado e cara de mau: - Arranje trabalho se quiser, que eu nunca mais o ajudo!

Há dias voltou, se lhe pagava os óculos para o filho. - Não senhor, já o socorri muito.

Um casalinho novo, ele embora alto, pareceu-me ainda adolescente, apareceram os dois com um filho de dois anos e meio, que o bebé ficava no carro. Que dormiam no automóvel, velho e carcomido, e passavam muito frio...

- Tão novos e já com dois filhos?

Assaltaram uma casa, meteram-se lá dentro e, agora, foram despejados.

- Então vocês!... Deus me perdoe, fazem os filhos sem terem uma casa? Olhem que até os passarinhos, antes de porem os ovos, fazem o seu ninho. Vós sois muito mais do que as aves.

E trabalho? Onde é que trabalhas?

- Não tenho trabalho.

- Procura-o! Tu -, ele parecia-me um garoto - tens de ganhar a vida para a tua mulher e os teus filhos. É uma grande injustiça e maior vergonha andar a pedir com a tua idade.

Depois de muito lhes falar, passei, por misericórdia, um cheque de cinquenta euros endossado à dona do quarto, o qual deverá ser muito fraquinho.

Crianças educadas e criadas assim, que serão amanhã, se não pedintes?

Estava eu apressado para ir celebrar missa à cidade e já para entrar no carro, que me conduziria à igreja, quando uma senhora alta, vestida de negro até aos pés, se põe na minha frente, para eu lhe ler um papel.

- Não leio. Agora não posso.

Mas quanto mais me aproximava do veículo, mais ela me embarrava.

- É o meu neto, Sr. Prior. É uma multa do meu neto.

- Eu não pago multas. Não pago!

De tal modo azedei que, irritando-me, comecei a gritar.

A mulher, que eu ajudo toda a gente, só a ela é que não quero ajudar, porquê? Levei a roda de mau e mais do resto que lhe veio à boca naquele momento. Veio a seguir em sua ajuda o marido, também alto e enchapelado:

- O homem é mesmo mau. Aquilo não é padre nem é nada.

E eu fui de corrida celebrar o Mistério da Morte e da Vida do Senhor, com esta boa preparação.

Remar contra a pedincha faz parte da minha cruz.

Padre Acílio