PATRIMÓNIO DOS POBRES

Trago hoje aos meus leitores do Património a correspondência amiga de um de vós, que me parece não devemos colocar "debaixo do alqueire", segundo a Palavra de Jesus.

Já uma vez tivemos tormentas por eu ter publicado n'O Gaiato os seus desígnios, mas agora eu prefiro sofrer do que apagar a luz que deve brilhar.

Ela aí vai, para nos surpreender e ajudar na vida a assumir o Evangelho e a realizá-lo na intimidade de cada um:

«Sr. Padre Acílio,

Espero que já tenha regressado a Casa. Desejo-lhe uma óptima recuperação e força para continuar a sua admirável missão.

Como combinado ao telefone, fiz hoje uma transferência de três mil euros que se destinam ao sacerdote que se preocupa com os pobres da sua paróquia. Merece ser ajudado a ajudar.

Como de costume, sigo a Palavra do Evangelho: "Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". Só faço a obrigação de qualquer cristão, portanto, agradeço que não se refira no jornal a esta importância. É dinheiro ganho com o meu trabalho e que tenho o privilégio de partilhar.»

Ele põe a relevo a atitude daquele sacerdote que, ao tomar posse das suas paróquias, visitou em primeiro lugar os pobres, sentiu a sua situação e procurou remediá-la com dignidade, fazendo deste zelo sua apresentação aos paroquianos, os quais são todos, na generalidade, gente rural.

Este padre chamou-me, como escrevi n'O Gaiato, para visitar com ele os mais pequeninos do seu rebanho e mostrar-me o carinho de outro antigo sacerdote que na década de quarenta a cinquenta do século passado, impelido pela voz do Pai Américo, lançou na sua paróquia o Património dos Pobres, construindo doze casinhas no átrio da igreja, para as famílias mais carentes e incapacitadas, um pequeno bairro com moradias simples à moda do tempo, algumas só com uma divisão e respectiva chaminé. Outras, com três divisões, onde a maior é a sala comum com chaminé e mais dois quartos.

O apostólico padre fez o que lhe era possível ao nível da época, arrancando as famílias de barracas, furnas e palhotas de colmo, à maneira africana, para casas de pedra e cal, cobertas de telha, com um balneário comum: duas sanitas, dois chuveiros e dois lavatórios.

Foi um grande salto civilizacional que provocou mossa nos corações das várias terras.

Hoje tudo está ultrapassado, além da ruína natural que o tempo e o uso não perdoam.

- Não há dignidade humana! - Exclama-me o pastor. E é verdade, o que era actual naquela altura, hoje, não tem cabimento.

Uma habitação sem casa de banho, sem quartos para dormir e uma sala para cozinhar e comer, pode ser um remedeio, como hoje há muitos, por esse País além, mas não é uma habitação digna.

Começou aqui a Evangelização do novo pároco e o autor da carta sentiu-se interpelado pela sua fé na Comunicação dos Santos, que não é só sobrenatural mas tem fundamento na humanidade - TODOS SOMOS IRMÃOS, a partilhar deste apostolado sacerdotal.

Se uma alma que se eleva, eleva o mundo, no dizer de Santa Teresa, a Comunicação dos Santos não pode ser só uma teoria, uma verdade de fé, tem de ser vida. O resto é paisagem.

Padre Acílio