PATRIMÓNIO DOS POBRES
Os casos extremos vêm, quase sempre, bater à nossa porta. Mesmo agora, quando a pandemia chegou à cidade e a fome e o frio apertam, este caminho de oito quilómetros é calcorreado a pé, na esperança de remédios, de um avio, uma ajuda para as rendas, cauções, arranjos de casa, como portas e janelas, nas suas fracas habitações.
Na cidade, não há casas acessíveis à economia dos pobres e uma tremenda indiferença envolve as multidões e tapa as vistas a esta realidade actual.
Eu gostaria muito que os homens do poder político passassem, ao menos, umas fériazinhas, de quatro a oito dias numa destas casas, antes de lhes pormos as janelas e as portas!... Gostaria!... Abrir-se-lhes-ia o coração e deixariam de se conduzir pelo egoísmo partidário, em favor do bem comum, sobretudo dos infelizes.
Desejaria também que os homens encarregados por Deus como S. Paulo, de pregarem o Evangelho, fizessem a mesma experiência nos mesmos moldes, para sentirem que a pregação de Jesus se referia tanto à justiça e à verdade como às certezas eternas e que estas se relacionam, substancialmente, umas com as outras.
Ambicionaria ainda que os cristãos mais ricos humanizassem melhor as suas consciências, em contacto com a extrema pobreza, como a que venho descrevendo no Jornal.
Duas mulheres, cada uma na sua hora. Eu estava para ir celebrar com o Padre Fernando, já ia a caminho da capela, a arrastar as pernas, com o auxílio das muletas e a pobre insistiu comigo, pondo-se à minha frente:
- Quero falar consigo.
- Mas o que é que me quer, diga lá. Nós já estamos a falar.
- Mas quero fazê-lo a sós! Eu não demoro, é só um bocadinho, dê-me lá um bocadinho do seu tempo.
O Padre Fernando já tinha ido para a capela e eu sabia que também ele tem muitas preocupações e que o seu tempo é precioso.
A mulher, com máscara e ainda nova, tinha arranjado fora da cidade uma casa sem janelas e sem portas. Tem dois filhos: uma menina e um menino. - Eles passam muito frio, Sr. Padre!
O eco daquela voz, o tom choroso da mãe, obrigaram-me a ouvi-la mais de vinte minutos... - As crianças passam tanto frio.
- E o pai delas? - Interrompi.
- Moía-nos com maus tratos, não trabalhava e tive que o deixar.
Esta casa, naquele estado, era boa para converter qualquer um destes citados cidadãos. Mandei-lhe pôr as janelas e comprometi-me com as portas.
A outra, no dia a seguir, era uma mulher com aparência de nova mas já com filhos e netos encarreirados, embora com muitas necessidades. Não pôde pagar a renda da casa onde vive e resolveu vir para o campo habitar a casa onde seus pais criaram sete filhos, mas o edifício não tem janelas nem portas. «Se eu a ajudava ao menos com as janelas», que lhe havia eu de dizer? Que havia de fazer, se não comprometer-me?
Trago aqui o recado da assinante n.º 601: «Leio com muito interesse os seus artigos no jornalinho. O seu desejo de ajudar os pobres e a sua preocupação com a vida deles, que não é muito vulgar na classe eclesiástica! Mais preocupada com a sua barriga do que com os infelizes!...
Tenho 78 anos, vivo num condomínio para idosos. Ando com o auxílio de um andarilho e saio muito pouco daqui...
Para o Senhor Padre poder ajudar os infelizes tem de haver quem contribua para tal porque já disse que nem o Estado nem a Segurança Social lhe dão algo. Venho enviar-lhe um cheque de mil e quinhentos euros para o senhor distribuir por quem precisa.
Peço-lhe orações pelas almas dos meus pais e restantes familiares.»
Ora aqui está uma pessoa que lê o Evangelho sem o adulterar.
Para aquele sacerdote referido no Património passado, não posso ficar só pelos 2000€ que lhe dei.
O Padre Américo dava
cinco contos para cada casa de 12 mil escudos. Eu tenho de responder na mesma
proporção, pois o meio é pobre e os cristãos rareiam.
Padre Acílio