PATRIMÓNIO DOS POBRES 

O Património desta quinzena debruça-se fundamentalmente sobre os injustiçados. Todos os pobres o são. Até os que não trabalham ou porque ninguém os educou ou coagiu e se habituaram à inércia, à pedincha e ao roubo. Também os que caíram na droga, no álcool ou na exploração dos sérios, justos e esforçados. Em todos e cada um deles há sempre, no início, uma certa injustiça do sistema, da governação e da estrutura social.

Trago hoje um caso que resultou numa depressão, quase sem remédio, a não ser a caridade cristã.

Ela, a esposa e mãe de família, caiu no desemprego porque a empresa onde trabalhava como escriturária, faliu e fechou.

O subsídio correspondente persistiu durante apenas um ano e a senhora, a procurar trabalho, viu-se obrigada a aceitá-lo num posto de combustíveis, a agarrar na mangueira para abastecer os veículos, ganhando o salário mínimo.

Vivem numa casa alugada por 450€/mês. Têm dois filhos, ambos universitários e bons estudantes. Um no Politécnico, na Faculdade de Engenharia Mecânica e a outra, em Direito, na Lusófona, que é extremamente cara.

O pai, membro das forças de segurança, para defender o filho de uma ameaça, foi ao lugar onde se dera o mau trato do menor, o maltratante caiu sobre ele e deu-lhe uma grande tareia. Depois, foi fazer queixa como se a vítima fosse o agressor, invertendo assim os papéis. O guarda fez tudo o que era possível para se defender em tribunal, dado que se sentia inocente.

O atacante, rico, arranjou testemunhas falsas, habilidosos advogados e ganhou a questão em primeira instância, condenando o desgraçado a pagar-lhe uma alta indemnização e as custas do tribunal.

Na convicção da sua própria inocência e no valor da JUSTIÇA, recorreu para a segunda instância, voltando a perder e a pagar. Foi tão forte a sua convicção de inocente que se atreveu a recorrer para o Supremo, onde também a razão se voltou contra a JUSTIÇA, revertendo tudo contra ele: - a justiça, o tribunal e as despesas.

Contraiu no banco uma dívida de quarenta mil euros. O homem ficou na penúria e pessoalmente destruído. Entrou em depressão, incapacitou-se de continuar no seu trabalho e foi obrigado a meter baixa médica.

Tendo de pagar os juros ao banco, 400€/mês, a renda da casa, a esposa com salário mínimo e dois filhos na universidade, como viver?

Ele, sobretudo, sentiu-se muito mais atingido e tentou libertar-se pelo suicídio.

Um antigo Gaiato, outrora seu colega na tropa, é que mo apresentou, convencido que eu o poderia ajudar e desoprimir.

Atendi, em primeiro lugar, outros pobres que chegaram antes e o homem sentou-se no corredor e esperou pacientemente. Chegada a sua vez, desatou num choro e numa maré de lágrimas que me obrigou quase a ralhar amorosamente com ele. - Mas... Chora porquê?!... Vamos a calar... É uma vergonha um homem a chorar!... Não chore.

Lá o acalmei e ouvi o que já sabes.

Reprimindo o seu choro e o desejo de desaparecer deste mundo, esclareci-o que a vida não é nossa, mas de Deus! Nós não somos donos dela, mais ainda, que a situação criada com o seu hipotético desaparecimento, só iria complicar a vida dos seus e os obrigaria a trabalhar, sem poderem continuar os estudos.

Pus-lhe na mão 1.000€ e comprometi-me a ajudá-lo a manter os filhos a estudar. Queria trabalhar mas sem descontos, para não perder direito à baixa, que é de 900€.

Ainda contactei dois empresários, mas sem resultado, pois, como me disseram, correriam perigo de multa grave e não podiam, de forma nenhuma, sujeitarem-se a tal aventura.

Paguei as primeiras despesas da inscrição e matrícula da menina e garanti-lhe que os filhos continuariam os seus estudos.

O homem animou-se. Nasceu-lhe, como diz o povo, uma alma nova e ofereceu-se para me vir podar as laranjeiras. Aceitei, na brincadeira: - Você poda, uma! E eu, analisando o seu saber, aceitá-lo-ei ou não.

Sei que o campo lhe fará muito bem, se não me agradar o seu trabalho, ensiná-lo-ei, na certeza de que ambos ganharemos.

Padre Acílio