PATRIMÓNIO DOS POBRES

Brilhou-me hoje na alma, uma luz fulgurante que tudo alumia sem deixar sombras e destruindo toda a escuridão: A palavra do profeta Jeremias: - Vós me seduziste Senhor e eu deixei-me seduzir.

A atracção pelo Senhor Jesus nasceu-me no coração sem eu dar por isso no começo da minha adolescência e era tão forte que eu perguntava muitas vezes a mim próprio, porque é que uma pessoa tão boa como Jesus que fez tanto bem para demonstrar a sua bondade sobrenatural e a sua Natureza Divina: - tantos cegos a ver, coxos a andar, famintos a comer e mortos a ressuscitar!... Como é que é desprezada pela maioria dos homens. Já nesse tempo a resposta a esta dolorosa questão perturbadora dos meus sentimentos era esta a preocupação pela riqueza e pelo dinheiro.

Nesse tempo a sociedade que me envolvia era sobretudo rural. Na vila, havia apenas dois automóveis, nenhum tractor, muitos carros de bois e algumas carroças puxadas a cavalos ou mulas, dois advogados e dois médicos. O comércio era reduzido; as pessoas vendiam e compravam os produtos sobretudo nas feiras.

TU VAIS PARA PADRE PARA ARRANJARES DINHEIRO.

Surgiu-me, já na juventude no meu ansioso caminho a Obra da Rua com o Padre Américo enamorado da pobreza a proclamá-la como força vencedora deste desprezo humano. Uma pobreza que não era somente um voto - os padres da rua não fazem votos - mas uma pobreza que acima de tudo era uma comunhão com os pobres, os desprezados e diminuídos. Uma pobreza que além do nojo pelo dinheiro utilizava-o para aliviar o sofrimento de tanta gente! Eu vi então uma pobreza a sério, que me obrigaria a viver com os pobres e como eles. Era esta a coerência que me dominava e fornecia forças para vencer os obstáculos que se opunham à minha paixão.

As vozes começaram a soar: ele vai para a Casa do Gaiato porque não é capaz de mais nada!...

Agora as vozes levantam o som: a Obra da Rua não é o único e exclusivo caminho de seguir Jesus Cristo. Ele (eu) tem uma linguagem escrita que parece o padre da Lixa, etc..

Sei muito bem que igreja católica é enriquecida de variadíssimos carismas e que todos os cristãos podem alcançá-los, mas a vida de qualquer sacerdote, para ser apostolicamente eficaz, tem de ser marcada pela virtude da pobreza e pelo zelo sério e discreto dos mais pobres.

Era mais cómodo calar-me... mas perante tanta indiferença, mentira e injustiça não sou capaz.

Não quero atacar ninguém mas somente banir da sociedade actual e de quem as dirige, estes infernais e horrendos pecados, próprios de uma política maquiavélica que esquece os seus compromissos constitucionais em favor da conveniência partidária e se cala para não fazer ondas.

Enquanto me aparecer, como ontem, uma pobre mulher que alugou um quarto por 250 euros/mês e agora deve quatro mensalidades e está ameaçada de ir para a rua, sem trabalho e sem perspetivas dele, não me posso calar. Interpretem como quiserem digam o que lhes vier à cabeça que eu não me estou a defender de ninguém, mas somente os excluídos e os em vias de exclusão...

O problema habitacional é cada vez mais grave e ninguém lhe põe a mão como devia e se comprometeu. Um dos meus alugou um T2 por 600 euros e, por mais voltas que desse, não conseguiu, em parte nenhuma, nada mais barato.

Como é possível viver a pagar a casa por um preço destes ganhando apenas um salário mínimo? Estará esta situação para se alterar brevemente? Nada nem ninguém me diz que sim. Que hei-de fazer eu?

O problema entre nós é tão grande e dispendioso que só o Governo lhe poderá dar algum remédio.

Padre Acílio