PATRIMÓNIO DOS POBRES
Há acontecimentos na vida do homem que são misteriosos e impossíveis de qualificar, sobretudo quando se trata do passamento de um Amigo.
No último Domingo, 5 de Julho, a morte veio buscar o meu maior amigo, o P. Manuel Vieira, o qual partiu para a Eternidade, para a Vida que não acaba, para o Seio de Deus.
Depois de uma longa e larga entrega ao Reino de Deus, após prolongando e duríssimo sofrimento moral e físico, no próprio desejo: o seu Purgatório - o Senhor levou-o para o Céu.
Conheci este sacerdote na companhia do nosso P. Horácio quando este se responsabilizava pelo Património dos Pobres, do Mondego, para baixo, do solo português.
O P. Vieira era nessa altura, um padre novo nomeado Pároco de Santana - Sesimbra que encontrou na sua paróquia algumas famílias a viverem em espeluncas, doendo-se não descansou enquanto o remédio para esta chaga, não havia sido encontrado.
Após contacto com o P. Horácio e eu, fomos até a sua paróquia. Após conversa muito agradável o meu companheiro comprometeu-se com algum dinheiro, pois este sacerdote já tinha um terreno para a construção. Ofereceu-nos almoço que não pudemos aceitar. Depois das despedidas dissemos um para o outro com um olhar consolado: que bom padre deve ser este sacerdote. O P. Horácio rematou: parece um santo.
Nasceu neste diálogo em mim, uma grande admiração e amizade sempre crescente à qual ele correspondia de igual maneira.
Levantou 4 moradias, pôs lá os pobres e os horizontes da acção apostólica criaram alicerces e alargaram-se bastante.
Durante alguns anos fui convidado por ele para confessar homens que haviam aderido ao Movimento Eucarístico, uma tarde de Domingo por mês.
A pedido o senhor Cardeal Cerejeira, então ainda Bispo deste território, veio para a Paróquia de Nossa Senhora da Anunciada de Setúbal onde, durante longos anos, desenvolveu enorme acção apostólica. Começou pelas crianças depois pelos pobres, pelos pescadores de quem se fez companheiro, durante a noite, nas lides da pesca. Aderiu aos Stela Maris Nacional de quem se fez impulsionador, criando na sua paróquia um grande centro e nunca se esquivando ao trabalho mais humilde como servindo cafés e bebidas, angariando dinheiro para responder às necessidades financeiras assumidas.
Comprou um grande terreno próximo da Sede da Paróquia com uma casa senhorial, onde a Diocese instalou, provisoriamente, o seu primeiro Seminário.
Por ele vieram para Setúbal, as Irmãs de Calcutá - Missionárias da Caridade - habitando numa casa por ele comprada.
Havendo na sua paróquia vinte casas de renda económica vandalizadas, restaurou-as e atribui-as às famílias mais pobres da sua freguesia.
Construiu um lar para pessoas doentes e idosas anexando-lhe um grande auditório que foi, durante anos o maior espaço da cidade. Nesta construção deu serventia a pedreiros não recusando o próprio esforço como manifestando a sua humildade e também o embaraço económico.
Comigo fizemos, durante mais de trinta anos os Cursilhos de Cristandade da Diocese nos quais ele manifestava um grande amor a Jesus Cristo e a força arrebatadora do Espírito Santo. Aberto à misericórdia de Deus foi um exímio confessor e dirigente espiritual, nunca se cansando de ouvir qualquer pessoa, em confissão mesmo até às tantas da noite.
Ardoroso pregador encantava os ouvintes com a sua palavra e nesta tarefa correu o país e várias capitais do mundo.
Homem com espírito de pobre e não pobre de espírito, abraçava, acima de tudo, a causa dos pobres e sofredores repartindo com eles o que ia arranjando. Para os nossos Padres de África, com muita alegria, palavras de admiração e encorajamento, dava avultadas quantias. Todos estes meus irmãos passavam pela Anunciada, desde o saudoso P. José Maria, de Moçambique, ao P. Telmo, de Malanje, ao P. Manuel António, de Benguela; a este deu, de uma vez, 100 contos aos outros 50, 30 conforme a própria disponibilidade. Quando por aqui passavam, todos o faziam à espera de ir cumprimentar a P. Vieira e foram muitos anos. Sempre com o mesmo sorriso, a crescente admiração, a palavra estimulante e a esmola do conforto.
Com esta casa repartiu do seu armazém, arroz, massa, açúcar, farinha e azeite, muitas vezes, fazendo o mesmo pelos pobres da sua paróquia.
Quando, um dia, vinha de Paço de Sousa para Setúbal e a chuva inundava a autoestrada, o carro nadou bateu nos separadores e voltou-se ao contrário ficando sem conserto. Falei ao meu amigo ele passou-me um cheque de 25.000,00 euros.
Quando, por doença teve de abandonar a paróquia, a direcção do lar e de todo o complexo escolar deixou-os com uma segurança económica invejável.
Para Ele o pão de cada dia, para os outros, TUDO.
Padre Acílio