PATRIMÓNIO DOS POBRES

Uma das virtudes do Covid-19 seria abrir os olhos aos responsáveis para os erros políticos dos últimos anos.

A habitação humana está na primeira linha das necessidades do País. Esta verdade é tão óbvia que os pássaros, para criarem os seus filhos, fazem primeiro o seu ninho. Sem casa, não há família, nem crianças, nem jovens equilibrados, nem cidadãos capazes de construir a Nação. É tudo uma choldra.

Porque é que a pandemia encontra melhor campo de expansão nas casas pobres? Não será porque as famílias se aglomeram numa única habitação nas áreas de pobreza?...

Não direi que o mesmo acontece nos bairros onde as casas não foram vendidas a particulares, que essas são vigiadas, mas naquelas que foram comerciadas e são objecto de aluguer ou mesmo de morada própria. Quantas famílias se aglomeram por não poderem pagar renda compatível com o seu rendimento?...

Quando é que os sucessivos Governos construíram habitações de renda acessível às classes mais desprovidas, com rendas compatíveis aos ordenados familiares? Desde quando?... Agora, com a pandemia, põem as mãos à cabeça, tentam tapar buracos, mas continuam a viver e a preocuparem-se com os mais afortunados e os compadres.

Há dias descarregaram-me, em Casa, um camião de pêras. Estas, precisavam de ser escolhidas, por muitas estarem tocadas e algumas podres.

Num sábado, os rapazes encarregaram-se de fazer algum trabalho, mas elas eram muitas. Coube-me a graça de as distribuir pela cidade, nos lugares de maior pobreza e escassez de alimentos. Distribuí na sexta até às 11 horas da noite, no sábado, todo o dia e, no Domingo, depois da missa. Tive assim oportunidade de voltar à minha gente que ficou consoladinha.

A saúde não me permite agarrar em pesos para despejar nos sacos, nos alguidares ou nos baldes, mas os rapazes podem e gozaram comigo, a alegria que os pobres transmitem ao sentirem-se animados com tão boa e rara fruta. Eu vou na Sharan a conduzir e a impor respeito e os rapazes seguem as minhas indicações. Não houve qualquer distúrbio.

Estes apelos e reparos que tenho feito à política da habitação serão continuados com gritos consecutivos, pois são alvo, nada de paleio, nem conjecturas, apenas observação exacta daquilo que constato com os meus olhos e os meus sentimentos.

Num abarracamento de gente negra, onde se vive em monte, numas barracas encostadas umas às outras e com tanta criança, como será possível espantar o vírus? Aproveita-se a mão-de-obra dos africanos, mas não se lhes oferecem as mínimas condições de habitabilidade. Pelo contrário, antes se exploram sem pensar em mais nada.

Estas realidades não foram exaltadas na festa do 25 de Abril deste ano. Apenas se elogiou aquilo que está estafado de encómios. Quando eu esperava que a oposição pusesse o dedo na ferida! Nada. Ali todos comem e bebem com a maior das satisfações, pois os pobres só são gente a quem se deve caçar votos, com promessas fictícias, nas campanhas eleitorais.

Ontem, Domingo da Santíssima Trindade, celebramos o grande mistério que é Deus: Três Pessoas numa Única Natureza Divina. O Pai, Amor; o Filho, Graça e o Espírito Santo, Comunhão. Preguei a mim próprio, aos rapazes e às crianças desta Casa e também a alguns cristãos que costumam celebrar connosco o Mistério Dominical.

Eu vinha quente... quando vejo as duas mulheres que vivem com os filhos num quarto alugado, e de que já falei aqui. À primeira havia dado, na última vez, 700 euros - Oh! mulher, então ainda há tão pouco tempo lhe pus na mão tanto dinheiro e já me está, de novo, a bater à porta!... - A senhora lamentou-se muito mas entendi que não lhe devia dar mais nada, por enquanto. Mandei-a bater a outras portas, mas fiquei de rastos. Não sei se cometi pecado. A que portas é que a pobrezinha haverá de bater se todas se lhe fecham?!...

- Vá à Segurança Social, diga que eu já lhe dei para 5 meses, que eu não posso mais e também não pode viver na rua com os filhos.

À segunda dei o quanto tinha na carteira para uma bilha de gás e um cheque de 100 euros, a filha estava num hospital, em Lisboa, onde fora operada de urgência ao apêndice e regressaria brevemente. Disse-me ainda que ameaçou de morte a assistente social, quando esta lhe falou em tirar-lhe a filha: - Olhe que eu mato-a. Se me leva a minha filha, eu vou para a cadeia, mas eu mato-a.

Deus é amor, mas os homens alijaram-se das Verdades Eternas.

Vêem a sua barriga, a adoração feita pelos elogios, a ganância da grandeza e do dinheiro. Oh! mundo, que andas tão enganado!... Com a tua astúcia, arrastas novos e velhos para um abismo sem saída, que nem a pandemia te desperta!...

Bem disse Jesus, na parábola do homem que se banqueteava diariamente enquanto o pobre Lázaro jazia, cheio de feridas, à sua porta com os cães a lamberem-no: Ainda que um morto ressuscite não acreditarão, podem vir as pandemias que vierem, que nada os convencerá.

As profecias de Jesus: Pobres sempre os tereis - têm em conta sobretudo esta cegueira do mundo.

Padre Acílio