PATRIMÓNIO DOS POBRES

Hoje, dia da Ascensão de Jesus ao Céu, saía da nossa capela a andar com passo de caracol e vejo duas mulheres sentadas nos longos bancos do corredor, uma em cada um, munidas de máscaras e olhos no chão.

Os rapazes saíam da Missa, passaram por elas, mas nenhum lhes dirigiu a palavra. O pequeno-almoço esperava-os no refeitório e o apetite obrigava-os a alguma pressa.

Mal encostei a porta da capela ouço uma voz: - Olhe, já tem duas à sua espera.

A celebração tinha-me enchido a alma: - Homens da Galileia, porque estais fixos no Céu? Este Jesus que agora sobe, há-de vir de novo na Majestade da sua Glória e então levar-nos-á, cada um no seu dia. Passou-me a fome e meu desejo transformou-se em gosto de ouvir as pobres.

Cada uma delas, em situações semelhantes, acarretam a pesada cruz e vinham-me pedir ajuda. Ambas a viverem em quartos alugados com os filhos e filhas ao seu lado trazem o recado dos senhorios: ou pagas ou não te posso ter aqui. A avidez do dinheiro impera, a dor e o coração impõem pouco ou nada.

A primeira já é a quarta vez. Dei-lhe 700€ para pagar também o mês de Maio; a segunda voltava de novo com a mesma dor. Anda a tomar cortisona e o médico recomendou-lhe que comesse sempre qualquer coisa com o comprimido, mas, até àquela hora, não comera nada, por não ter com que comprar qualquer alimento. Vive com uma filha de 17 anos, num quarto em prédios diferentes da primeira. Faz limpezas em várias casas e passa a ferro as roupas.

Não sei como essas pobres aguentam. Tanto uma como a outra têm aspecto e alguma dignidade. Que irão receber qualquer coisa da Segurança Social uma a partir de Agosto e outra a partir de Julho.

Se não tivesse diante de mim tantas tragédias humanas, não gritaria como tenho feito, pedindo a Quem de Direito que construa casas, prédios, bairros para valer a tantas famílias, atenuar o preço de rendas e constituir algum desafogo.

Pelos meios de comunicação social vim a saber que o Estado injectou 850 Milhões de Euros num banco que tanto como o pai deste tem comido ao País o suor duro dos portugueses. Não há dinheiro para construir casas para as famílias sem recurso, mas nada falta para introduzir na banca.

Bem gostava que se tornasse realidade as promessas da última campanha eleitoral: - acabar com a extrema pobreza. Esta gente que se implantou com todos os luxos e vive rodeada do que há de melhor, saberá o que é a extrema pobreza? Saberá? Ou aquelas promessas foram apenas para enganar os papalvos, para manter a sua posição de grandeza? Terão consciência de que o dinheiro usado vem dos duríssimos impostos dos seus concidadãos?

Oitocentos e cinquenta milhões davam para construir, pelo menos, moradas para oito mil e quinhentas famílias, aliviaria o peso da renda de casas no País e acabaria com esta exploração terrível a que estão obrigadas tantas famílias portuguesas a viverem em quartos no mesmo andar, na pior das promiscuidades e a nossa querida Igreja Católica tão bem organizada, estará só para defender a liberdade religiosa? Não tem de olhar para a justiça social?

Dói-me muito este silêncio, como se tudo o que se passa neste País fosse justo, pertencesse a César, não clamasse aos céus! E estivesse de acordo com o Evangelho?

Vivemos num após Concílio Vaticano II, citamos vezes sem conta a parábola do Bom Samaritano e não se vê que os Judeus religiosos não se davam com os habitantes da Samaria e Jesus vai buscar um deles para o atirar à cara dos sacerdotes e Levitas, homens do Antigo Testamento.

Ninguém se feriu com estas notícias... mau sinal. Prova evidente de que não cheiramos as ovelhas mais sofridas do nosso rebanho.

Vem aí, dentro de breve tempo, o Representante de Cristo na Terra, que com lucidez evangélica toma o partido dos pobres sem qualquer receio de desagradar seja a quem for, manda-nos ir às periferias e nós tomamos estas palavras como uma figura de retórica acomodados a conveniências ou com o medo dos Grandes.

Dói-me a alma e peço perdão, por me exprimir em público, já que o meu grito é abafado pelos factos.

Padre Acílio