PATRIMÓNIO DOS POBRES

Aproveito a quarentena do coronavírus, não por ter folga, mas por não haver neste intervalo muitos pobres à minha volta, para falar da doutrina do Património dos Pobres.

Como todas as iniciativas do P. Américo, é melhorar a situação dos Pobres pela actividade da Igreja Católica ou, melhor ainda, pelas atitudes cristãs perante a pobreza evidente. O Fundador da Obra da Rua conseguiu levar muitos párocos e o Povo de Deus a lançarem-se em campanhas, em acções a favor dos Pobres das suas comunidades e a construírem casas, bem como apoiando a autoconstrução.

Em muitas freguesias os padres do seu tempo construíram, com o sacrifício dos cristãos, duas, três ou mais casas para famílias incapazes de levantarem ou adquirirem as suas próprias moradias. Conheço algumas onde até se fizeram bairros, não segundo a nossa visão social mas em vista às necessidades e recursos de cada freguesia.

É claro que uma casa é essencial para fazer uma família. Sem casa, nada. Mas não basta esta, é necessário um acompanhamento constante, persistente e duradouro sem desfalecimentos. O padre é o primeiro despertador desse dinamismo amoroso pelas famílias degradadas que o Património tem acolhido. Se o pároco não sente a paternidade que as famílias pobres precisam, vão-se muitos valores por água abaixo e a pobreza encaminha-se para a miséria.

O próprio convívio entre estas famílias juntas, por serem pobres, envilece-se e o ambiente torna-se infernal.

Naturalmente que o pároco precisa de se rodear de gente com carisma cristão, gente habituada ao sofrimento, que carregue entusiasticamente a sua cruz e venha, depois, ajudar os outros a levarem a sua. Pessoas que amem e sofram as enormes dificuldades de educar em todos os sentidos e toda gente pobre.

Fazer casas e deixar as famílias restaurarem-se por si próprias, é uma utopia e quase sempre uma tragédia, daí a queixa fundamentada de um bispo a dizer que o Património dos Pobres trouxe muitos problemas à Igreja. A esse senhor, já jubilado, eu queixar-me-ia de outra maneira: A igreja tem muitos problemas por se aliar dos pobres.

O Papa Francisco, como há muitos anos o P. Américo, iluminados pela Pessoa do Ressuscitado, viram bem que a primeira característica do Reino de Deus é a evangelização dos Pobres. O actual Papa manda ir às periferias, não só porque elas precisam, mas, também, por ser lá que se experimenta e radicaliza melhor a Fé Cristã.

Farto-me de pedir aos pobres que vão primeiro aos párocos, que tragam uma recomendação dos pastores, não só para fundamentar a verdade dos queixumes, mas também para obrigar aqueles a saborearem a dor, a amargura e a sem-solução em que muitas famílias caem.

É evidente que não compete ao Património dos Pobres resolver ou mesmo ajudar os problemas de toda a gente, mas é connosco assumir a dor. Este sentimento é fundamental para se viver e pregar o Evangelho.

Há dias, uma senhora que mora para os lados do Montijo veio pedir-me ajuda para dois meses de renda de casa. Disse-me que vinha recomendada pelo senhor Bispo, mas não trazia qualquer cartão, nem sequer um telefonema do nosso Pastor. Não verifiquei. Ainda liguei para saber a verdade, mas o telefone estava ocupado e fiquei por aí, dando o cheque à pobre que se dizia abandonada com o filho - criança de oito ou nove anos - pelo pai deste. Pareceu-me uma mulher pouco capaz, mas acabei por lhe pagar os dois meses.

Parecia-me muito melhor que o senhor Bispo a mandasse ter com o Pároco e, se este não pudesse ajudá-la, que ele me escrevesse uma carta ou um cartão. Que me perdoem, eu não quero meter-me em seara alheia por falta de autoridade e nem ter certeza, senão a palavra da pobre, mas seria pastoralmente mais pedagógico que assim fosse. Melhor para o padre, para a pobre e para mim.

Normalmente costumo instar com os padres a que peçam, nas homilias, ajuda para os pobres da paróquia e, se esta é de gente pobre, dou tudo senão, pelo menos, metade.

Padre Acílio