PATRIMÓNIO DOS POBRES

As dores dos pobres deixam-me num estado de angústia e sofrimento que não sou capaz de definir. 

Já aqui falei daquela infeliz de 5 filhos a seu cargo, sendo um deficiente do aparelho urinário, a quem ajudei. Pois uma leitora do Porto que ao longo da minha vida me tem apoiado quis ficar com o encargo de 106 euros mensais a pagar ao Estado durante mais de 9 meses.

A filha da pobre multada já saída de casa e com dois filhos pequeninos, um ainda de leite e outro pela mão, sabendo que eu ajudara a mãe, dirigiu-se a mim, com o mais pequenino ainda a mamar a pedir que lhe pagasse uma multa de 220 euros por ter sido interceptada pela GNR sem revisão do carro. Vem dizer-me que o companheiro a deixara com as crianças. Que tivesse pena dela e a libertasse deste pesadelo.

- Onde mora? - Ela respondeu-me que em tal parte, era para o Norte de Lisboa, uma zona muito pobre que eu conheci no ano 2005/2006 quando tomei conta daquela que foi Casa do Gaiato de Lisboa, hoje totalmente descaracterizada.

- Então? Já foi falar com o Prior de lá?

- Não! Não o conheço.

-A mim conhece-me?

- Ouvi dizer que ajudava os pobres.

- Olhe, então vá falar com o Padre de lá e ele que me escreva uma carta a narrar a sua situação.

Se ela for capaz de ir ao Prior e ele a atender e me confirmar, por visita, a verdade do relato, muito bem, ajudá-la-ei. Se o Prior não a atender (não há por aí muitos padres a interessarem-se dos pobres), não a poderei ajudar.

Por mais que o Papa Francisco recomende a Igreja Católica ir às periferias, essas palavras bonitas ficam no ar, não aterram, sobretudo não despertam o coração dos pastores para irem à procura das ovelhas perdidas.

Por vezes, estes só as citam, nunca as experimentam, não as saboreiam. Só se entende o Reino de Deus, que é dos pobres, aqueles que O fazem na sua vida. Outros menos se aproximam d'Ele que se apaixonou pelos sofredores.

No Reino de Deus que Jesus pregou, os pobres e os perdidos são aqueles por quem Ele sofre. O resto é miragem.

Esta manhã de Domingo, ao sair da Missa, aguardava-me, sentada no longo banco do corredor uma senhora vestida de preto. Saudei-a e perguntei-lhe a que vinha.

Uma roupita leve, rendada, fazia-a tremer de frio. A dona Conceição trouxe dois casacos quentes para a agasalhar.

Como ando muito devagarinho amparado pelas bengalas, aproveitei o tempo para a ouvir. Ao meu lado a andar foi desenrolando a sua tristeza: O marido morreu canceroso, aos 47 anos, há poucos meses. A renda da casa foi-se avolumando e tiveram de sair. Meu Deus! Acima de uma dor tão funda, uma desgraça tão larga.

Arrendou então um quarto, sem serventia de cozinha, onde vivem ela, uma filha de 14 anos e um filho de 12. - Vou buscar comida à Caritas; de manhã a Senhoria, que é boa, dá aos pequenos algo para quebrarem o jejum.

O quarto tem uma cama para o rapaz e outra para a mãe e filha. Ao que os pobres estão sujeitos! É isto que me dói.

A Segurança Social pagou-lhes um mês do quarto mas não mais. Agora já deviam 2 meses a 200 euros cada e a Senhoria começava a apertá-la para que pagasse. Vestindo um dos casacos comprido e quentinho sentiu-se aconchegada e eu consolado ao vê-la coberta, convidei-a para tomar comigo o pequeno-almoço. Como me soube bem aquela companhia. Há consolações que não se pagam com dinheiro nenhum!...

É uma senhora religiosa, ia à missa aos Grilos, quando morava perto; agora, vive num bairro perto da cadeia.

Paguei-lhe um mês e prometi dar-lhe outro logo que ela me trouxesse uma recomendação do Pároco a confirmar a triste situação.

Os casos que batem à porta da Segurança Social deviam ser resolvidos imediatamente, se, como tenho gritado, o Governo dessa autonomia financeira a alguém credenciado, com dinheiro em caixa para acudir às desgraças a que qualquer família pobre está sujeita. Mas não, o meu grito é nulo, pois é mais compensador satisfazer objectivos políticos do que acudir aos miseráveis.

Padre Acílio