PATRIMÓNIO DOS POBRES

Foi numa destas tardes de chuva e vento gelado que a avó e o neto se dirigiram à Casa do Gaiato a perguntar pela minha pessoa.

Eu não estava, mas recebeu-os a Senhora que ficou muito condoída com a situação de ambos, a viverem na mesma morada.

A avó não parou de chorar tão intensamente durante todo o tempo em que o neto, já um homem feito, ia narrando os motivos da sua aflição, que a senhora, mal eu cheguei, me pôs ao corrente das lágrimas da pobre idosa.

- O senhor Padre não está. Nós voltamos amanhã.

Almoçava e, delicadamente não quiseram interromper a minha refeição, embora estivessem cheios de fome.

Acabada a comida, um dos rapazes veio ter comigo ainda à mesa, a dizer: - Estão ali uns senhores que lhe querem falar. - Eram eles. A avó e o neto.

Apercebi-me logo do terremoto que lhes caíra em cima, mas, primeiro, perguntei-lhes se queriam comer. Que sim. A Senhora, que os conhecia ainda da véspera, trouxe logo duas grandes malgas de caldo-verde a fumegar, que eles engoliram sofregamente com pão migado na sopa.

Fui lendo, enquanto comiam, os papéis indicadores da sua visita. Era a casa. O Banco nomeou um executor e eles pela acumulação de rendas em atraso estavam cheiinhos de medo de ir prà rua.

Nestes dias de invernia a casa é tudo. Perder a casa é quase como perder a vida. Ai! Nestes dias deve morrer muita gente de frio, diziam os lamentos que ouvia à minha volta.

Pediram dinheiro a uma dessas empresas que o facultam imediatamente se houver algo a empenhar. Autênticos caçadores de incautos com que alguns Bancos se encapotam para explorar os pobres, os ignorantes, os ambiciosos, etc.!...

No meu entender tais negócios deviam ser proibidos, pois só caem neles os imprudentes.

Propagandeiam dinheiro na mão já. É o isco com que atraem os ingénuos para, depois os explorarem como sanguessugas que são.

Dói-me que uma rádio, dita de inspiração cristã, não negue propaganda a tal gente e se deixe levar também pelo deus dinheiro.

A senhora havia comprado a sua casinha, que era mais pequena que a da Janete que me custou 32.000 euros há 3 anos. O Banco punha agora à praça por 62.000 euros e ainda ficava credor de toda aquela dívida e dos juros da pobre gente. É na verdade um bom negócio!...

O débito era avultadíssimo, são juros sobre juros e o Património dos Pobres não podia empenhar-se em tal emaranhado. Que fazer?

O rapaz, após ter telefonado para vários senhores do Banco e da tal empresa sugadora, de ambos os lados, lhe haviam dito que os tais senhores não estavam, voltou desesperado a ter comigo, para lhe indicar um advogado que os defendesse.

É claro que não há boa-fé em tais servidores do cacau. Dizer que não, esta é uma forma de iludir, para adiar a questão e poder caçar a pobre vítima.

A moeda-casa é hoje o numerário mais valioso no mercado financeiro. Qualquer casa vale o dobro de há oito anos.

Quem ganha com isto? Os mais ricos. Quem perde com esta inflação? Os mais pobres, mais desgovernados e os mais indefesos.

Naturalmente que os governantes sabem do problema e todos os políticos!... Que fazem? Parecem ignorá-lo.

Portugal é hoje um País multicultural, multirracial e com uma disparidade financeira cada vez mais acentuada. Uma situação para causar a vertigem do dinheiro!

O problema habitacional é cada vez mais grave. Não basta abrir portas a todos os estrangeiros, é necessário acautelar a sua habitação e a concorrência natural que a sua morada contínua vem trazer ao mercado imobiliário. A maior parte dos portugueses imigrados não vendeu, nem alugou a sua casa em Portugal.

Não podem os responsáveis estar à espera que a iniciativa privada resolva esta gravíssima inflação que faz com que alguns Bancos se atirem aos indefesos como cão a bofe.

Padre Acílio