PATRIMÓNIO DOS POBRES
Foi a Janete, sua vizinha, quem nos deu o alarme:
Chocado com a triste notícia, sem poder deslocar-me a casa desta heróica mãe, deleguei na D. Conceição a tarefa de ir conhecer, de perto, os acontecimentos, levar-lhes alimentação e algum dinheiro.
Lá encontrou tudo como a Janete havia contado. Os filhos dela doentes; todos doentes, uns mais, outros menos e, com eles, os irmãos da rapariga.
Há três anos o pai das crianças foi preso e a mãe fugiu com outro que com ela também foi para a cadeia.
A moça de 14 anos ficou, nessa altura, com os dois irmãos o que, para nós, muito nos admirou: uma menina tão nova com encargos paternais. Nunca lhe faltámos com ajuda. Acarinhámo-la, amparámo-la quanto nos foi possível, mas, agora, ela não resistiu à tentação e, queixando-se à vizinha que estava farta, fugiu também, esperando, pensamos nós, que a Janete desse a mão aos irmãozinhos, o que veio a acontecer.
A fugitiva tem uma irmã deficiente profunda numa instituição em Borba e dizendo-me que recebera uma carta dirigida ao pai e à mãe de sua irmã aleijada, a pedir-lhe 300 euros para ajuda na compra de uma cadeira, pediu-me se lhos dava. Eu fui a casa dela levar-lhos, com alimentos. Hoje não sei se esse pedido seria ou não para preparar a fuga. O que aumenta a minha angústia. O nosso Padre Américo, quando se via em situações semelhantes, costumava desabafar: «A miséria vence! A miséria tem muita força - Nós somos uns derrotados.»
Esta família foi indigitada por mim para receber, num Natal de há anos, de uma empresa, um fogão, um frigorífico e um esquentador novos. Sempre amparámos o quanto possível a família toda e vejo-me nesta altura desolado. Tudo desfeito!...
Porque razão ponho eu a lume estas minhas dores? Poderás perguntar. É para te dizer que trabalhar com os Pobres não é sempre compensador. Que no meio de algumas vitórias, há muitas derrotas. Quem nos ampara é Deus, com o Seu bafo quente, a Sua palavra certa e segura. Que antes de amarmos o Pobre, temos de amar primeiro a Deus, que com ele se identifica.
A mãe, tendo saído, há meses, da prisão, veio ter comigo rogando-me amparo para se estabelecer na Moita, onde arranjara trabalho, desculpando-se que não podia voltar para a sua casa por ela ter sido atribuída, pela Câmara, ao seu marido e não a ela e que ele a mataria se a visse. Dizendo-me isto a chorar, acreditei, paguei-lhe as cauções e as rendas da casa.
Como "recompensa" ela tem trazido aqui os aflitos que encontra, para lhes indicar o caminho, enquanto se esconde a uns 500 metros da nossa Casa, facto que me traz dúvidas, desconfianças e que me fez não a ouvir quando, noutro dia, me procurou.
Como o pai está preso até 2023, seria uma boa oportunidade para a mãe tomar conta dos filhos e levá-los consigo, mas isso não faz parte das funções Oficiais que dizem proteger as crianças em risco. - É essa pobre sacrificada, Janete, que junta aos 6 filhos mais 2, dando razão à palavra do Pai Américo: «Ai dos pobres se não forem os pobres.»
Os instalados no quentinho dos seus gabinetes não podem descer a estas baixezas, e se o fazem, é sempre com a arrogância de quem tudo sabe, pode e manda.
Padre Acílio