PATRIMÓNIO DOS POBRES

A semana que antecedeu o Natal foi aqui de uma afluência de pessoas carentes nunca sentida.

É sobretudo a renda de casa o que mais aflige a gente mais pobre.

Roupa, calçado, alimentos variados, material de higiene ou limpeza vamos tendo para dar... agora dinheiro... temos de ratear bem as coisas, verificar melhor as reais necessidades... mesmo assim, demos desde 900 euros até 250 passando por 470, 450, 300 e 250 euros. Acudimos assim às grandes aflições reais, não fictícias.

Entre as que mais me chocou foi a de uma rapariga, nas vésperas de dar à luz, sem ter casa.

Há muito tempo que deixara a Igreja mas, agora, foi encontrada a soluçar num templo da cidade e a sua oração mais o seu choro despertou alguém que se abeirou dela, para a consolar e... depois de ouvir o seu drama... aconselhou-a a vir ter comigo: - Vai ter com o fulano que ele há-de arranjar modos para resolver o teu problema.

Foi o Hélio quem veio trazer a senhora ao refeitório onde eu me encontrava a rezar.

- Está ali uma senhora que lhe quer falar.

- Então! Manda-a entrar que eu recebo-a mesmo aqui.

Dada a minha dificuldade em me movimentar e a sala estar vazia de pessoas para ser lugar adequado a acolher quem quer que fosse, mandei-a sentar junto de mim sem me aperceber do seu estado de gravidez.

A sua história era complicada. Por causa da sua tendência infantil para o namorico, o pai tirou-a da escola após o quinto ano.

Mesmo assim não pareceu uma pessoa rude mas algo cultivada. Agora com 23 anos de idade encontrou um namoro ao seu nível e, quando o pai soube que ela estava gravida, pô-la fora de casa. Ela foi viver para junto de uma amiga que agora ao vê-la perto de dar a luz, começou a pressiona-la para que saísse da sua companhia.

Estava num caminho a chegar ao fim sem saber para onde ir. Foi então que se lembrou de Deus foi ter com Ele à Igreja do Carmo!

- Eu abandonei a Igreja Padre, abandonei tudo o que tinha de bom na minha infância. -, dizia-me arrependida a chorar.

Lembrei de Maria de Madalena e de outras mulheres que vieram ter com o Mestre à espera de um caminho novo.

Fui ouvindo o seu choro e vendo as lágrimas que abundantemente lhe corriam pela face abaixo que lhe respondi: - Verdadeiramente, sem Deus filha, só encontramos desilusões, pensamentos, desejos e sonhos que nada valem.

Com ela também eu chorei a rudeza do pai, a passividade da mãe, o engano do mundo e a cegueira da adolescência e juventude.

Arranjou uma casita fraca ali ao pé do bairro da Conceição mas a senhoria, para lhe dar a chave exigia 940 euros que ela não tinha. O namorado começou agora a trabalhar e receberá o ordenado mínimo!...

Como irá viver aquele aglomerado de três pessoas, bebé, mãe e pai a pagar uma rende de 470 euros por mês e ainda mais a caução pois eu só lhe dei um mês?

Mandei-a ter com a D. Conceição que lhe daria roupa para o bebé, fraldas e toalhetes que vêm do Auchan mais alimentos.

Disse-me que tinha uma trempe de dois bicos a gás, um frigorífico e uma cama.

Ofereci-lhe alguma mobília que ela ainda não veio escolher. Em que condições vai nascer aquele bebé? Foi por isso que Jesus veio ao mundo numa gruta, acolhido em palhas e envolto em panos.

A inflação galopante do imobiliário com o valor e a renda da casa a subir desta maneira perante o silêncio da Igreja, a surdez do Governo e da política e a indiferença dos poderosos esmaga os pobres inocentes.

Pela última campanha eleitoral ainda ouvi falar na abolição da pobreza extrema mas logo me pareceu que essas vozes eram somente para enganar... como se fosse possível iludir a todos, pois quem assim fala nem sequer sabe o que é pobreza e muito menos conhece as suas extremidades. Sabem sim o que é a riqueza e o luxo; todos querem ser ricos à custa da política.

Contou-me um pai um facto que ilustra bem a forma exorbitante como cresce o valor dos imóveis.

O filho deste senhor é um novo arquitecto e o pai comprou-lhe um andar na cidade, por 80.000 euros, para que com obras e gosto o tornasse moderno e o vendesse então. O moço teve quem lhe desse 100.000 euros e vendeu-o julgando ganhar e fazer lucro. O pai sabendo do sucedido foi ter com ele e disse-lhe: - Vai então agora comprar outro e vê se encontras semelhante por 100.000 euros para modernizares e verás o lucro que tiveste.

Este facto ilustra bem a inflação imobiliária.

Se o Governo entrega a responsabilidade da habitação aos privados e fica por ai, os pobres estão perdidos sobretudo os que têm um só ordenado por família.

Dorido com esta situação e no meio dela, há muito que grito por uma intervenção política na construção de casas de renda acessível, mas eles, os governantes, "fazem ouvidos de mercador".

Quando vier outra campanha eleitoral falarão de novo, os grandes oradores, nos pobres, nas suas casas, no seu estado e proclamarão outra vez acabar com a extrema pobreza.

Padre Acílio