PATRIMÓNIO DOS POBRES

Ontem foi um dia em que me senti como um bombeiro a extinguir fogos no meio de um incêndio interminável, quanto mais apagava, mais outros apareciam, ultrapassando as minhas forças e posses.

O primeiro caso era o de uma mulher muito maltratada pelo marido ou companheiro bêbado, pai de duas filhas o qual ela teve de abandonar, levando consigo as meninas, para fugir à horrível companhia, refugiando-se em casa de uma amiga que agora começa a dar sinais de cansaço por ver a sua casa invadida.

Cozinheira de profissão, teve de abandonar o trabalho para amparar as suas filhas, uma de quinze anos e outra de nove com arteriosclerose múltipla e se encontrava nestes dias ao abandono como um náufrago sem bóia ou tábua de salvação.

Aconselhei-a a procurar trabalho, antes de alugar casa, mas ela respondeu-me a chorar que estava cansada de sofrer, tinha necessidade de acalmar as filhas que até deixaram de ir à escola. Já correu tudo e não conseguiu arranjar nada por menos de 400 euros/mês.

Metido nesta embrulhada tenho mesmo que me desembaraçar dela. Renda com caução chega aos 800 euros. Ela pede-me apenas 600.

- Pode ser que o senhorio tenha pena de mim, aceite, e eu a trabalhar, irei pagando a pouco-e-pouco.

Nunca dou a mão a ninguém sem ter a certeza que o meu auxílio não vai cair em saco roto, isto é: que os ajudados tenham capacidade de ganhar rendimentos que lhes assegurem o bem que lhes faço.

Garantiu-me que sim senhor!

- Facilmente encontrarei trabalho na cozinha de qualquer restaurante ou hotel. - Confiei. Ela já arranjou, disse-me ao receber o cheque.

Outra com três filhos, duas crianças e outra adolescente, foi despejada porque o senhorio precisou da casa para morar. Já encontrou uma por 250 euros/mês, mas o senhorio, depois de tanto choro conseguiu baixar de 350 para 250 exigindo 3 meses de adiantamento ou caução.

Pedi-lhe que me trouxesse o contrato. Esta trabalha, mas o que é um salário mínimo somente para 4 pessoas mais a renda, o gás, a luz e a água? Sim, o que é? Um cortar de unhas rentes. Nada sobra. É impossível fazer um pé-de-meia para um momento difícil. Vive-se afogado na vida. É evidente.

No Domingo passado visitei a Azinhaga Nova Sintra à procura de um homem que, há dias, não atendi aqui em Casa e fiquei cheio de remorsos. Coitado do homenzinho!... Tanto me pediu uma ajuda para cobrir o seu casinhoto.

Há muito que por ali não andava e o ambiente pareceu-me totalmente novo. Não fazia ideia! A 150 metros desta via, estavam prédios de 5 e 7 andares ou mais ainda e, por trás, casinhas baixas, antigas onde me pareceu que o urbanismo projectaria algumas praças. Também uma outra pouco mais parecida que uma barraca.

Seria por ali que eu ansiava encontrar o homem a quem tinha ficado a dever o perdão. Indulgência do seguinte: enquanto ele me falava a sua esposa pediu-me ordem para apanhar tângeras do nosso jardim. Disse-lhe que não. As tângeras não nos fazem falta, mas é uma questão de princípio. Entretanto, ela escondeu-se e foi colher os ditos frutos numa árvore longe do meu alcance. As senhoras da Casa ouviram, olharam e vieram dizer-me.

Acabei por não ouvir o choro do homem que me pedia ajuda para uma dessas casinhas ou barracas. Com quatro filhos, sendo uma, de seis anos, doente dos rins e já a fazer hemodiálise. Sem casa de banho, nem o aconchego mínimo que qualquer ser humano precisa. Interrompi a conversa. E disse que não o atendia. Ele foi buscar as tângeras, queria dar-mas mas não as aceitei. As tângeras embora muito boas não valiam nada. Aqui o que contava era o respeito que a pobre devia guardar a quem pedia ajuda.

Doeu-me a alma e eu quis reparar o meu não com a notícia que os iria ajudar, lhes perdoaria, reprovando naturalmente a atitude da mulher, mas não os encontrei.

Ficará para outro dia que eu possa. 

Padre Acílio