PATRIMÓNIO DOS POBRES
Estava para sair quando, em Casa, sou abordado por uma pobre aflita que, além de manifestar o desejo de falar comigo, me exibia uma mão cheia de papéis...
- Oh! minha senhora, agora não a posso atender... - e saí a ruminar as aflições que ela me traria.
- Não faz mal, eu espero -, disse-me em tom resignado.
Os pobres são assim, submetem-se ao peso das suas carências.
Aquele «eu espero», fez-me doer a alma e entrou dentro de mim como espinho que não seria capaz de arrancar. Quando voltei, já os rapazes tinham almoçado e os meus olhos voltaram-se imediatamente para o sítio onde ela me aguardaria.
- Já lhe deram almoço?
- Já comi uma sopa que estava uma delícia!
Tirei-lhe os papéis da mão dizendo: - Então espere mais um pouco enquanto eu como, também, alguma coisa. - Outra vez a agradável expressão: - Sim, senhor, eu espero.
Quis levar comigo os papéis para ir pensando, enquanto comia, como ajudar a pobre mulher e até onde. Enquanto engulo a mesma sopa, leio o relatório do médico do marido e vejo que ele não pode trabalhar e não teve dinheiro para fazer certos exames à sua saúde. Eu apenas recebo de RSI 320 euros e pago de renda de casa 300 por mês. Vejo ainda a intimação da advogada do senhorio a exigir-lhe 1500 euros mais 50% de juros da lei no valor de 750 euros e que, se não pagasse dentro de um mês, lhe entregasse a casa onde viviam.
É bom pensar um pouco como abrir uma solução destas. Telefonei à advogada pedindo-lhe que reduzisse a percentagem dos juros: - Sou eu que vou pagar, senhora doutora, veja se em nome do seu cliente podemos ao menos vir para metade.
A custo, a advogada atendeu-me acrescentando que já não era a primeira vez que as coisas aconteciam desta forma.
Voltei para junto da pobre e disse-lhe que não era justo e que quando se está doente o coração fica de tal maneira ferido que ninguém olha a preços de remédios, pois o que a gente quer é aliviar, consolando os que sofrem, sem olhar às despesas, nem compromissos. A farmácia come tudo! Entendi e não ralhei mais. - Vou fazer a transferência, mas olhe que é a ultima vez. - Será? Eu não sei. Foram 1875 euros.
Ao olhar o telemóvel aparece-me como notícia do dia que o Estado vai despender 71 milhões de euros para apetrechar os escritórios dos novos membros do Governo e choco-me a olhar!... Sim, a olhar escandalizado...
Lembrei-me de ser recebido, há anos, por um ministro dum país pobre da África e o senhor não se calava a pedir desculpas de me receber daquela forma. Sim, o seu gabinete caiado de branco, paredes e tecto e um mobiliário: apenas 5 cadeiras, uma de cada estilo, e uma secretaria que era igual à das nossas mesas das escolas secundárias.
Fiquei edificado com a simplicidade do senhor ministro: - Olhe é o que temos.
No nosso País, não. Reina uma indiferença endémica à situação dos mais pobres. Um Governo deveria assumir as situações de pobreza extrema no viver de tanta gente!... Depois de tanta promessa, começa logo por um escândalo desta natureza.
Os novos membros do Governo não se deviam sentir bem em ambientes de luxo tão requintado, mais, ainda, o ambiente em que vivem e trabalham cega-os e não lhes permite acreditar nos que vivem a extrema pobreza.
71 milhões de euros davam para distribuir pelos Centros da Segurança Social e, em cada um, haver dinheiro disponível para casos como estes.
Padre Acílio