PATRIMÓNIO DOS POBRES

Começa esta escrita por contar um episódio burlesco da quinzena.

Cheguei a Casa à hora dos mais pequenos fazerem os trabalhos marcados pelo professor e não vi nenhum na sala. Ora o que aconteceu? Uma mulher alta, com uma criança ao colo, aguardava-me. Em vez de a atender imediatamente, fui ao pavilhão pelos miúdos. Jogavam a bola com os filhos e as filhas desta senhora.

- Então? Não toma conta da sua família? Vêm para aqui distrair os meus?!

- Não sabia senhor padre!

- Não sabia? Então onde estavam eles? Não devia tê-los junto de si e a senhora tomar conta? Vêm para aqui ainda distrair os meus?!... Que a trouxe cá?

- Precisava de comprar um aparelho para este -, e apontava para o menino -, porque ele tem asma e o médico receitou-lhe um aparelho que custa 68 euros -, e exibia-me o relatório clínico.

Na sua ideia eu dar-lhe-ia o dinheiro e ela seria livre de o comprar ou não.

- Olhe, minha senhora, vá à farmácia onde temos conta, que lhe dêem um papel carimbado com o preço e traga-mo cá que darei ordens para lho aviarem.

- Ai! mas é tão longe e eu vim a pé, sem poder!... Tenha pena e ajude-me -, e repetiu muitas lamúrias.

- Já estou a ajudá-la, minha senhora! Traga-me o papel assinado com o carimbo da farmácia tal.

Tornou a insistir e eu tive de falar alto e ameaçá-la que não pagaria o instrumento se me continuasse a moer o juízo.

Alguns dias depois, trouxe preços de outra farmácia com o carimbo.

- Não lhe disse tantas vezes que era a tal farmácia, situada em frente à praça tal?

- Ai, mais eu não percebi.

- Repeti-lhe tantas vezes! Eu não lhe posso dar o dinheiro. Não, minha senhora, eu não dou dinheiro, dou-lhe o aparelho. Volte à farmácia referida que fica em tal parte assim, assim, pois, só desta forma consegue a ajuda para o seu filho.

Mais? Aquele senhor que está além, sentado ao volante do carro não é o seu marido?

- Não!... O meu marido fugiu com uma brasileira e deixou-me com os meus filhos.

Desconfiei e fui com o carro da Casa dar uma volta e encontrei o dito ao volante de um Volkswagen, com muito bom aspecto. Não, não!...

Valeu-me que o Assana, ao ir buscar o pão, viu-a a entrar com os filhos para o respectivo automóvel e veio dizer-me.

- Sua mentirosa! Vem aqui para me enganar!

Telefonei à farmácia e no mesmo papel pus ordem para lhe aviarem o instrumento. Ela voltou a pedir alimentos mas não lhos dei. - É para castigo. Eu sou padre por causa da Verdade, não admito mentiras. Desta vez não leva nada para se lembrar, que aqui, ninguém mente e não se admitem aldrabices.

Nós somos também educadores sociais. Castigamos com dor, mas tem de ser!

* * *

Outra, com o papel de corte da água. Cancerosa, com quatro filhos e o marido desempregado - Oh!, senhora, toda gente trabalha neste País. Vêm para cá os brasileiros e arranjam logo patrão e o seu marido porque não o encontra?

- Ele é padeiro em tal parte. O mês passado chegou à padaria, encontrou as portas fechadas sem ter qualquer aviso. Nada recebeu irá trabalhar no próximo mês.

A senhora tem uma grande mancha na cara. Já a ajudámos algumas vezes. Cortou-me o coração!... A dívida do indispensável líquido era 120 euros. Mas ligar de novo o mesmo são 49,99 euros. 50 euros menos um cêntimo. Recomendei-lhe que nunca mais deixasse cortar a água, que me procurasse antes!

Todas as portas se fecharam, até as da Igreja: Não temos verba!

Quando não há verba há coração, se este se compadece surge sempre, sempre a verba. Disso, tenho a certeza.

Passei um cheque à companhia das águas com as contas bem afinadas para que fosse atendida imediatamente. Muito sofrem os pobres!...

* * *

Uma pequena a viver com a avó, conseguiu modo de ir estudar para o Reino Unido onde, com o seu trabalho fora das aulas, na Universidade, pagará as propinas e a estadia.

Precisava de dois mil euros. Trouxe carta de uma conferência vicentina da cidade a recomendá-la.

Eu acredito nos vicentinos, não duvido nada. O vicentino tem um coração de pobre e ama a todos. Fiado nesta certeza, dei-lhe, para a mão, quinhentos euros!

- E onde vou arranjar o resto?

- Ó menina, bata a outras portas! Há por aí vários padres e muita gente rica que a poderão auxiliar melhor que nós. Isto é quanto lhe posso dar.

Chorando desabafava: - Tenho de ir arranjar a outra quantia. Quero tanto tirar direito para amparar também a minha avó!...

- Filha!, é o que lhe posso dar, a gente tem de repartir com muitos pobres, todos os dias.

Padre Acílio