PATRIMÓNIO DOS POBRES
A Lei é cega
É, pelo menos, contra os pobres e ignorantes.
A Janete, aquela pobre para quem comprámos uma casa, mãe de seis filhos ainda crianças e o marido preso há anos, foi agora intimada pelas Finanças, sob pena de lhe irem à casa.
Parece que o marido, que é uma pessoa pouco desenvolvida e infantilizada, vendeu, à tempos, um carro velho e não deu baixa.
Vem agora o Estado, através dos seus serviços, exigir que ela pague a dívida de 106 euros, senão os bens dela, que são somente a sua casa, estão ameaçados.
Tanta gente engravatada e culta que roubou o Estado em milhões e milhões, não sabemos se os restituíram ou devolverão, e não lhes acontece nada a não ser andarem nas bocas dos media!... Esta pobre mãe, ou paga ou vão-lhe à casa.
Emigrantes
Era o final da tarde de um sábado quente.
Os Rapazes, felizes e frescos da olímpica piscina, sentados às mesas já comiam o jantar, que neste dia é quase sempre semelhante ao almoço: uma feijoada com bastante hortaliça, carne de porco e enchidos de variadas qualidades, feitos e fumados na nossa cozinha velha, com carne biológica criada por nós.
Sentado à mesa eu apenas gozava o à-vontade e descontracção da rapaziada, presa cada um ao seu delicioso prato.
A senhora entra pelo refeitório adentro e dirigindo-se a mim: - Está aí o pai do Samba que traz um casal cujo pai é doente e vem pedir para que receba o filho.
Levantei-me e fui ao encontro das pessoas. Não era só um casal de gente africana, mas também outra senhora que pedia igualmente que recebesse o seu menino.
Corria uma aragem agradável e os quatro estavam recostados sob a copa da lindíssima buganvília em cadeiras de pano onde é aprazível a gente sentar-se.
Aproximei-me e saudei com agrado as duas senhoras. O pai doente começou o seu pedido, relatando o estado de saúde e a impossibilidade de cuidar do filho. A mãe olhava-me com tristeza e alguma fome.
O rapaz já de treze anos, apresentava uma acentuada deficiência visual que estava a ser tratada na Estefânia, em Lisboa.
Ouvi, ouvi. Condoeu-me a situação, mas nesta altura do ano é muito difícil matricular alguém na Escola. Pedi ao próprio pai que fosse ao Agrupamento falar com alguém responsável a ver se conseguia lá a matrícula do filho.
Pareceu-me que estavam todos com fome e ofereci-lhes jantar, explicando-lhes o que havia para comer. Se fossem muçulmanos jamais comeriam feijoada. Responderam-me: - Não, não senhor, somos cristãos católicos.
É gente que vem da Guiné-Bissau, arrasada com a saúde dos filhos sem recursos na sua Pátria.
A graça de Deus avivou-me a fé e senti o que é ser estrangeiro e andar à míngua. Acolher pessoas neste estado é, na verdade, uma grande obra de misericórdia.
Como lembrei o tempo em que tínhamos a Escola em Casa. Oito salas de aulas para alunos e uma para professores. Duas casas de banho, uma em cada andar, e um amplo corredor! Hoje, tudo às moscas e nós temos de andar a pedir que matriculem os nossos meninos ou Rapazes!... Além de os devermos levar à Escola diariamente e os reconduzir a Casa à tarde, após as aulas.
Padre Acílio