PATRIMÓNIO DOS POBRES

Era Domingo.

Quando saímos da Missa, apercebi-me que uma mulher, negra, cingida de crianças, estava sentada nos bancos do corredor onde normalmente são acolhidos os familiares dos rapazes. A longa galeria com os seus extensos e cómodos bancos, serve de sala de visitas e recepção dos Pobres e das famílias dos nossos.

Passei calado frente às pessoas. Preferi perguntar aos Rapazes que, nestes assuntos, são mais perspicazes do que eu.

— Quem é aquela gente?

A resposta foi duvidosa: - Acho que são conhecidos do Roni.

Chamei então o querido Roni e perguntei-lhe. Devo dizer que este rapaz, é uma pessoa admirável, doente, mas muito generosa.

Nesta crise de senhoras que queiram arriscar perder a vida seguindo a fé cristã, para a ganhar segundo a palavra de Jesus; foi o Roni escolhido para ir dormir num quartinho perto dos mais pequenos, os deitar, os socorrer e incutir-lhes hábitos de higiene, oral e não só.

Este Rapaz tem o Curso da Escola Profissional com bons resultados, tirou a carta, conduz muitas vezes a nossa camioneta e, como é de pequena estatura e franzino costuma pôr na cabeça um chapéu de aba larga para parecer maior aos olhos da polícia pois já foi interrogado por um agente que, obrigando-o a parar, duvidou se possuiria as devidas habilitações.

Em Casa, o Roni é estimado por todos. Chamei-o e perguntei-lhe: — Quem são aquelas pessoas?

Resposta imediata e segura: — É uma senhora conhecida da minha tia que vem cá pedir se lhe recebe os filhos.

Fiquei um pouco receoso, mas disse-lhe que a chamasse para almoçar connosco e se sentasse com eles numa mesa à parte do magnífico refeitório.

A comida correu com normalidade e, no fim, passei por eles à espera que a mãe se me dirigisse, mas não a provoquei, perguntando-lhe o que me queria. Desertei sem dar muita confiança, e fui deitar-me para recuperar forças que, à tarde, teria de ir celebrar à Arrábida e me sentia muito cansado.

A senhora julgou que eu me dirigiria a ela e encolheu-se de acanhamento e vergonha, mas quando se viu sem mim, começou a chorar à mesa de forma ruidosa e quem a veio consolar foi a D. Conceição que, depois, me veio transmitir a compaixão que por ela sentiu.

Queria que lhes ficasse com dois meninos, pois tinha vindo da Guiné por causa da saúde de uma filha, gémea do mais novo, que sofre de uma doença que a mataria na sua terra, onde não há capacidades médicas para a socorrer.

Vim a saber que foi acolhida, na Baixa da Banheira, por uma família que dela se doeu e que com tanta criança, numa casa pequena, era impossível viver. Combinei com ela, e com um advogado, fazer um documento de entrega das crianças e assim acabarmos com o sofrimento que nas vias do Estado demoraria meses ou até mais de um ano.

É este o lugar da Obra da Rua: fazer o que o Estado não pode fazer.

Os meninos chamam-se Adão e Florentino. O primeiro é gémeo da irmã doente, traz o documento da terceira-classe, mas não sabe ler português, nem falar. O certificado do Florentino põe-no no 6º ano, mas ele sabe ler e escrever menos que o nosso Samba que vai para a quarta-classe do próximo ano escolar.

Teremos nós de suprir estas deficiências já.

Padre Acílio