PATRIMÓNIO DOS POBRES

clamor dos pobres que sinto dentro de mim é avivado quase diariamente por lágrimas: - Põem-me na rua, para onde é que eu vou?

A gente faz das tripas coração para responder a tanta amargura.

Li, há dias, a reflexão feita por um padre que eu admiro, a confirmar o que eu penso: «Se a Fé vem pelo ouvido, a Caridade chega pela vista». É preciso ir ver. Também o povo, na sua sabedoria de séculos, diz o mesmo: — Longe da vista, longe do
coração.

Não admira, por isso, que os responsáveis actuais pela condução desta sociedade, se alheiem dos pobres e das suas miseráveis condições de vida. Eles não vêem, não sentem, nem acreditam. Convencem-se mesmo que hoje toda a gente é rica. Não há pobres.

De vez em quando aparece na comunicação social o número de pobres deste País e eles, os responsáveis, ouvem o número mas ele entra por um ouvido e sai pelo outro.

O alheamento dos responsáveis pelo problema habitacional vem daí. Se fossem lá, se cheirassem, se entrassem numa casa com três e quatro famílias a viver lá dentro, se dormissem numa tenda de lona, numa barraca de madeira, tapada com zinco ou num carro abandonado, a sua reacção seria outra. Mas, na comodidade indiferente, tanto se lhes dá como se lhes deu.

O que o Património faz pela habitação dos Pobres é uma realidade minúscula, que apenas serve a um reduzido número de famílias. Não chega a um por cento das urgências.

Apareceu-me uma casa boa num bairro social.

Falecido o dono, os filhos quiseram vendê-la. Gente boa, generosa, cristã.

É um primeiro andar e o falecido havia refeito as escadas em pedra até à sua casa, com um patim muito bonito à entrada. Para cima, as mesmas continuam em cimento cru mas, até à sua moradia, os degraus são de pedra cinzelada.

Quando os filhos souberam que a casa seria para uma família pobre, a viver num aglomerado de famílias, dispôs-se a deixar todo o recheio da casa para os novos donos. Assim, foi entrar e usar fogão, frigorífico, esquentador, camas, mesa e cadeiras; facto que me levou a colaborar na compra.

Dei, de entrada, ao Banco, cinco mil euros e, no momento da escritura paguei a mesma, às Finanças e duas taxas, por comprar com dinheiro emprestado. As taxas passaram os quatrocentos euros, que não pagaria se a aquisição fosse feita com dinheiro próprio e não emprestado.

O pedido de empréstimo sobrecarrega os pobres. Assim está a política de habitação em Portugal.

Padre Acílio