PATRIMÓNIO DOS POBRES

Esta rubrica d'O Gaiato não faz muitas feridas. Ela denuncia mais as chagas sociais de quem as padece do que de quem tem o dever de as curar.

Ela fala, fala, grita, grita, mas quem as devia escutar com capacidade para as socorrer sofre de uma surdez incurável que o Mestre explicou amargamente: Têm ouvidos para ouvir e não ouvem, olhos para ver e não vêem. A barriga, no seu sentido físico e figurado, tapa-lhes todos sentidos. É tão alargada que os absorve completamente. Discursam de forma admirável, mas têm em vista, em primeiro lugar, sempre a barriga que quanto mais come mais engrandece, sem se saciar.

Contrariando esta visão terrena da vida, tenho comigo uma carta que a contraria radicalmente: - Recebi ontem o jornal O Gaiato e, como de costume, o primeiro artigo que li foi o Património dos Pobres.

Abençoado! Que Deus continue a dar-lhe forças para gritar bem alto que há muita miséria no nosso País e que não podemos acomodar-nos na vida burguesa, egoísta e indiferente a este problema.

Foi preciso haver violência no bairro da Jamaica, no Seixal, para a Comunicação Social chamar atenção para a realidade.

No Jornal Expresso do sábado passado veio um longo artigo com o título: Grande Lisboa ainda tem treze bairros de lata à volta da Capital, e há mais de mil e oitocentas famílias a viver em barracas, como subtítulo.

E eu comento: A dita Comunicação Social aparece com o escândalo do bairro da Jamaica, no Seixal, mas há muito tempo que a voz da Igreja devia ter bradado contra tantos desmandos cometidos nos chamados Bairros Sociais e contra a hipocrisia política.

A voz da Igreja devia intervir, não com autoritarismo virtual, mas com o peso de quem realiza o Evangelho, e sofre com os pobres a falta de habitação, o acumular de famílias numa única casa, a promiscuidade e as suas insanáveis consequências, a preguicite aguda de muita gente, ainda jovem e cheia de saúde, vivendo de subterfúgios inexplicáveis e se junta, aos magotes, ao sol no Inverno e à sombra no Verão, negando-se a trabalhar.

Será que a Lei Fundamental deste País não obriga as pessoas a cuidar de si próprias, do seu alimento e dos filhos que geram? Não é esta uma Lei natural?

Se não querem trabalhar, devem ser obrigados a fazê-lo. Se não estão habituados, é preciso habituá-los. O que se faz neste País é uma mesinha sem resultados.

Os problemas não se resolvem com a intervenção da polícia, solucionam-se, sim, na sua raiz... Tornando o trabalho obrigatório a quem tem saúde e forças e facultando-lhes o mínimo de dignidade que é: Uma casa para viver.

Agora, com a falta de trabalhadores, Portugal importa de fora, a mão-de-obra. Isto é uma solução adiada havendo tanta gente à boa vida neste País.

A sabedoria popular ensina-nos que a preguiça é mãe de todos os vícios. A Bíblia diz que quem não trabalha, tendo saúde, não deve comer.

O Estado não tem obrigação somente de favorecer uma casa a cada família, tem, sim, também, o dever de exigir. Este perde a razão e o poder quando se demite.

Dá mau resultado apagar fogo com fogo.

A Igreja do mesmo modo, quando se cala por conveniência ou medo.

Mas vamos à última parte da carta: Sinto-me envergonhada de me limitar a uma ajuda de retaguarda. Afinal sou mais nova que o Sr. Padre, tenho, graças a Deus, facilidades de locomoção, devia ser mais activa, mas há muitas moradas na casa do Senhor e como nunca fui pessoa de acção virei-me para outro campo e estou disponível para acompanhar amigas minhas que também vivem sozinhas, visitá-las em lares e hospitais e outras que precisam de uma presença amiga.

Vê-se claramente que o Espírito Inquieto do Senhor trabalha naquela consciência, inquieta-a, não se instala nem se conforta. Não vos digo quanto ela transferiu para a nossa conta, pois já me ralhou duas vezes.

A sua barriga encolhe-se secretamente com uma vida sóbria a pensar nos Pobres.

Padre Acílio