PATRIMÓNIO DOS POBRES
Uma das funções do Património e, talvez a mais importante, é despertar a consciência colectiva da humanidade para a situação terrível das famílias sem tecto.
Quem cresceu e progrediu na solidez de um lar, não tem capacidade para medir o sofrimento causado às famílias pela falta de uma morada condigna.
Como só apreciamos a saúde quando chega a doença, assim o viver no saboroso aconchego do lar impede-nos de apreciar o desconforto de uma tenda ou uma barraca, geladas, sem água nem luz.
Esta quinzena esmagou-me - sim, é o termo - sinto-me esmagado por tantos casos sem solução.
Uma mulher grávida com filhos, a qual eu sentei à mesa com o marido e me veio pedir auxílio para arranjar uma casinha, telefonou-me angustiada, pela dolorosa situação em que se encontra e, a chorar, implorou-me que lhe acudisse, pois com a gravidez muito adiantada contraiu uma infecção urinária por na barraca não ter água para se lavar, nem fria, nem quente.
O hospital que a socorrera, mandou-a para fora com os remédios... mas ela não tinha meios para se curar. Chorava aflita a pedir-me por tudo, pois estava com medo de morrer naquela enregelada barraca, que não encontrava casa para alugar mas só para comprar.
Que lhe havia de dizer? Sim, como arrancar aquela mulher de tão sórdida miséria? Como? Dói-se ela e os filhos, os quais correm o risco de ficar sem a mãe, o marido sem esposa e a criança sem vida!... Uma tragédia sem solução à vista.
Encontrei outra mãe de família com cinco filhos pequenos, abandonada do marido, com parte das janelas da casa partidas e roubadas, sem luz, sem torneiras na casa de banho e na cozinha esburacada. A esta, já mandei arranjar a luz e pedi urgência a quem trabalha com alumínio e espero brevemente tapar naquela nua casa as correntes frias de ar que a tornam inabitável, arranjar-lhe a cozinha e mobilar-lhe toda a casa para transmitir um aspecto de conforto a todas aquelas crianças.
A alimentação tem sido por nossa conta que duas vezes por semana a visitamos.
Abandonada, conforta-se com o amparo da vizinhança que lhe tem dado alimento para a mais pequenina, de meses.
Como o Padre Américo, verifico esta realidade sempre nova: Quem vale aos pobres são pobres.
Com três filhos, uma menina ainda de colo, apareceu-me outra a pedir-me 1280 euros para arrendar uma casa. O senhorio exigia-lhe três meses de caução.
As crianças exibiam um aspecto bom, limpas e bem vestidas, mas a mãe não. De olhos encovados, magra e anémica, cortava o coração olhá-la. Fugira de Lisboa para casa de uma amiga que mora no Viso, em Setúbal, porque o pai dos filhos maltratava-a, batia-lhe muito e ela não aguentava. Então, resolveu fugir com as crianças para longe dele, para se ver livre daquele contínuo flagelo. Passados dias regressou com um contrato feito e dei-lhe 930 euros em cheque passado ao senhorio.
Outro casal com filhos não encontrou casa para alugar, mas uma à venda por cinquenta e cinco mil euros. Implorava-me uma ajuda de cinco mil pois o banco emprestar-lhe-ia o resto a ele que trabalha na Soporcel.
Até os bancos põem hoje, reservas aos empréstimos para a habitação, ficando os pobres sem saída!... Mais, mais e mais só hoje para rendas de casa e cauções dei a mais quatro famílias cerca de dois mil euros.
Diz a Constituição da República que os Governos devem favorecer a cada família portuguesa uma morada digna.
Agora pergunto: Quem pisa a Constituição? Sabemos que na Assembleia da República os Deputados comem opíparos almoços depois de se terem aumentado escandalosamente.
Os ladrões não têm este nome, mas um mais adocicado. Agora são corruptos que se atiraram livremente aos bens do Estado roubando avidamente milhões de milhões sem consciência, nem escrúpulos, bem como outros que enriquecem à custa dos lugares públicos...
Toda esta gente é culpada do assombroso sofrimento que se abate sobre tantas famílias indefesas.
Que vale a Constituição? Sim que vale? Se os mais responsáveis são os primeiros a encher a barriga tirando capacidade ao cumprimento da Lei Fundamental da Nação.
Ai dos pobres se não fossem os pobres, eis a verdade infelizmente sempre actual.
Padre Acílio