PATRIMÓNIO DOS POBRES

O Natal deveria ser, como os pobres precisam, uma abundância de Amor! Semelhante ao de Deus, que derramou sobre os homens uma prova inultrapassável, dando-lhes o Seu Filho e, por Ele, fazendo de nós seus familiares — Seu Unigénito — nunca, nem ninguém, alguma vez deu semelhante Dom.

Os homens, nem de longe, pressentem esta fartura de amor, apenas os mais carentes, os mais aflitos que demandam à nossa porta, à espera de um sinal dessa abundância.

Assim, uma viúva nova que ficou com as dívidas do marido, sem conseguir pagar aos credores e ao Estado, veio pedir, com lágrimas e dor, uma ajuda para que a sua reforma não fique penhorada.

De casa paga 400 euros mensais e as dívidas do falecido esposo comem, em juros, muito acima desse valor. Os filhos, com ordenados mínimos, cada um com duas crianças, a viverem em casas arrendadas, não conseguem ajudar a mãe.

O Estado não perdoa, as finanças caem-lhe em cima e arrestam um terço da sua reforma, deixando-a à míngua, o que ela deseja evitar.

Há quatro meses que não paga ao senhorio e, agora resolveu alugar um anexo. Mas onde está o anexo?

— Já o alugou?

— Não senhor.

— Sabe onde o encontra?

— Também não.

— Oh!, senhora, deixe-se estar na sua casa, porque, presentemente, nem por esse preço encontra um anexo e o seu senhorio alugará a casa quase pelo dobro do dinheiro.

Foram mil e quinhentos euros que lhe pus na mão, fazendo o exercício da Misericórdia Divina, que nos havia confiado.

Outra, muito doente dos olhos, comprou uma casa, vivendo nela com o filho que foi despedido do trabalho de uma empresa falida.

Com medo de perder a casa, pois o banco já ameaçara, pendurava-se em mim como um náufrago que no meio do mar se agarra a uma bóia. Dei-lhe 1742 euros com a garantia de que, com esta ajuda, não iria ficar sem a sua casinha.

— Já aluguei um quarto por 200 euros/mês e o meu filho vai trabalhar. - Que não perderia a casa.

O dinheiro dado ao Património dos Pobres com tanto amor e sacrifício não pode cair no saco do banqueiro, que já tem muito. Ou segura a casa, e eu pago-lhe a dívida, ou, se não a defende, não devo enriquecer o banco. Convenceu-me de que iria salvaguardar o seu tecto.

Mais outra: Àquela mulher de que falei, saída da cadeia, paguei três meses de caução e o primeiro. Como é difícil arranjar um tecto para morar, mais ainda quando não se tem qualquer valor nem contrato de trabalho. Hoje ninguém aluga sem garantia e quem nada possui, resta-lhe o abrigo da ponte. Aliviei-a com 1500 euros!

Oh mundo em que vivemos!?... Alguns com tanto e outros sem nada. Se a Misericórdia Divina se não revela, esta gente cai na lama.

Uma rapariguinha, com dois meninos, um muito novinho ainda no colo, pusera fora de casa o companheiro que a atraiçoara e não queria trabalhar, sentindo-se ameaçada pelo senhorio, veio também pedir socorro.

Como eu não conhecia de perto o caso, mandei-a ter com o Pároco, o qual, não a podendo ajudar, mandou-a para o Património dos Pobres. Dois meses 760 euros.

E mais, e mais, e muito mais. Quase todos os dias sou assediado por gente em grande aflição!

Casas, casas, casas. Não basta admitir estrangeiros, é urgente construir habitação para os nacionais, pois os donos delas, dada a procura, alteiam o seu valor, deixando os pobres na rua.

Está aberta a porta para novos bairros de lata, como já se verifica em várias cidades deste Distrito.

Cheio de tristeza amarga, constato que aqueles a quem a Constituição impôs o dever de construir habitações para as famílias sem recursos, se escusam, gastando o dinheiro de todos, sem qualquer escrúpulo.

Ouvi falar deste assunto apenas nas eleições para a Câmara de Lisboa e, agora, pela Presidente da de Almada. Deus queira que o problema seja visto a olhar para os mais pequeninos.

Sigo muito pouco a Comunicação Social, mas não me recordo que um problema desta grandeza fosse abordado pela proposta do Orçamento para o ano 2019.

Esta é uma questão candente para toda a sociedade portuguesa e basilar para destruirmos a miséria material de tanta família que, em vez de declinar, se agrava mais aceleradamente.

Desgosta-me que tão poucas autoridades eclesiásticas, nas suas mensagens e homilias natalícias, tenham calado o assunto, deixando a impressão, aos crentes e não crentes, que esta chaga não os atormenta ou que isto é somente uma questão do Governo e não de Evangelho.

Padre Acílio