PATRIMÓNIO DOS POBRES

UMA destas manhãs, tomava-eu o pequeno-almoço, quando surgiu aos meus ouvidos um ai: — Isto é que é pobreza, mas pobreza mesmo!

— Então o que é? — Perguntei à senhora que acabava de atender os pobres. - Ai!, Padre, até me dói o coração. Crianças regeladas, magrinhas, com mães que não sabem falar... crianças sem escola nem ambiente nenhum!

— Oh!, mulher, tire-lhes uma foto para eu pôr no Jornal. — A gente tem de clamar e, se possível fazer escândalo pois estas realidades só atingem os responsáveis com escândalo. O Evangelho diz-nos que o escândalo é mesmo necessário.

Em plena Europa, num País que exige como escolaridade mínima o décimo-segundo ano, haver crianças sem creches, sem pré-primária e sem qualquer escola. Isto arrepia. Nem se acredita!

Vêm em magotes, rodeadas das mães, mulheres que além de não saberem ler, mal se expressam! Gente que acampa aqui e ali... vive da pedincha, sem hábitos de trabalho nem de economia... sem casa nem morada, mas homens e mulheres que proliferam a miséria, arrastando-a de geração para geração.

Parece impossível, em Portugal e na Europa, haver crianças a crescer na mais repugnante marginalidade. Os pais acampam debaixo de tendas, armadas sob as árvores e, normalmente, escondidas das autoridades, sem eira nem beira. Deslocam-se em carroças ou carros velhos, onde nas noites frias do inverno se abrigam em montões, como os nossos suínos no curral, uns sobre os outros aquecendo-se corpo a corpo.

Eu entendo que é difícil recuperar os adultos, mas... as crianças... meu Deus! Só por amor delas valia a pena estabelece-los numa casa onde se abrigassem do frio, da chuva e do calor, frequentassem uma escola local, tomassem um banhinho e saboreassem um calor familiar.

Um homem vale mais que uma casa e uma criança é um adulto em potência. Sim, uma casa, mas não só, também o acompanhamento humano, bem pertinho deles, prestado com paciência por gente com coração. Uma assistência que só o amor de Deus é capaz de gerar e manter. Nunca a cooperação fria das Doutoras que aparecem como os Bombeiros quando há fogo!

Vivemos num País onde o princípio das Instituições que protegem a criança, se apresenta aparentemente eficaz, mas não é tão infalível como parece. Muitas vezes depende das pessoas que estão à frente, que não saem do seu quentinho no Inverno, do fresquinho no Verão, da comodidade de um carro, ficam agarrados às secretarias, não saem à rua, não se apercebem da realidade do submundo e se instalam no trabalho que lhes aparece no gabinete. Instituto de Apoio à Criança, Segurança Social, Comissão de Protecção de Menores e Tribunal de Menores. Tanta organização e a gente bate com a cara nestas desmedidas desgraças, verificando que ninguém tenta estancar a fonte de tão profunda miséria.

A organização tem muitas vantagens, mas, se não for gerida por gente com Alma, tanto no Estado como na Igreja, passa ao lado das feridas e do sofrimento escondido, dando razão ao desabafo do Pai Américo: - A miséria vence, nós somos uns derrotados, ou mais proximamente ao clamor do Papa Francisco: - É urgente que os pastores conheçam o cheiro das ovelhas!

Se o Governo construísse casas para esta desgraçada gente, não faria mais que o seu dever e a Nação lucraria muito. Evitar-se-iam tantos crimes, tanta papelada nos tribunais e, sobretudo, tanta gente nas cadeias. Valia muito mais do que diminuir o deficit. 

Padre Acílio