PATRIMÓNIO DOS POBRES

Fiz ontem a escritura da casa da Janete. Foi em Lisboa, no cartório, junto dum Pingo-Doce, na Baixa.

Chegámos antes dos representantes da entidade vendedora e deu para conversar um pouco com a empregada da notária. Ela confirmou a documentação, o valor do cheque visado e mandou-nos esperar. Tudo muito normal, mas após a escritura feita no gabinete da notária, quando se verificou que o pagamento da casa era feito pelo Património dos Pobres, então é que explodiu uma bomba de admiração e estremecimento.

Toda gente olhou uns para os outros, interrogando-se sobre o que se passava. A notária interrompeu com a sua voz admirada «O meu pai ajudava muito a Obra do Padre Américo, mas eu julgava que vocês só tinham rapazes», eu respondi à senhora, soprando a fogueira que se acendeu nos corações ali reunidos: - Temos rapazes e pobres. Eu também sou pobre. A roupa que visto foi dada à Casa do Gaiato, para os pobres.

As companheiras da imobiliária que me transportaram, a mim e à Janete, até Lisboa, deslumbradas com esta acção, também se deixaram tocar: - Eu fiz a catequese e a primeira comunhão e nunca mais pus os pés na igreja mas agora vou começar a ir. No próximo Domingo vamos - falava em nome da outra - às 9:30h à Missa da Casa do Gaiato pois nunca lá fomos. Queremos começar por lá.

O efeito deste acto produziu, e tinha que o fazer, conversões para Deus. É o rasto d'Aquele que passou fazendo o Bem, expulsando demónios, dando vista aos cegos e curando os surdos.

Quem dera que a Igreja visse, como vê o Papa Francisco, o Evangelho dos Pobres.

Ele fala do brado dos pobres. Fui ver ao dicionário o sentido exacto do que quer dizer a palavra bradar. Diz lá: falar em voz alta, gritar, chamar com instância, clamar, rugir.

Sim o Santo Padre sente o rugir de uma multidão inumerável de Pobres que são autênticos escravos de uma sociedade fria e cega. Gelada de egoísmo e cega pela ambição do dinheiro.

Existem ainda umas pequeninas luzes, brilhantes como as estrelas longínquas que nos consolam, mas não chegam, de forma nenhuma, para socorrer famílias que vivem atoladas na miséria e subjugadas pela renda altíssima das suas casas!

Quem me dera comprar mais casas! Vivo a aflição daquela mulher que, com três filhas, tem sido uma heroína e, agora, que descobriu o sofrimento de um aneurisma na cabeça foi despedida do seu trabalho, pois a empresa não pode aguentar uma pessoa com estes problemas. Ela foi à Segurança Social mas a resposta está decorada, isto é, de cor e sai da boca insensível de quase todas as técnicas: não há verba. — Não há é coração!

O facto de reconhecer no mundo imenso da pobreza, diz o Papa Francisco «A nossa própria intervenção é limitada, frágil e insuficiente, leva a estender a mão a outros para aquela mútua colaboração, a fim de alcançar objectivos de maneira mais eficaz».

A resposta é mínima mas é visível e eloquente: «Amigo P. Acílio, voz incansável na defesa dos Pobres, junto resposta ao apelo do nosso Jornal para que os nossos gaiatos de Malanje possam comer arroz e feijão com algo mais e tenham máquinas que lhe permitam " Pescar "». Esta veio de Coimbra.

«Ao ler o Gaiato sobre Malanje fiquei muito triste comigo mesma; o meu frigorífico está cheio, graças a Deus (...) e há tanta gente a passar mal e ainda crianças. Sou viúva vivo da minha pensão pequena junto com a do meu marido, dá para viver com dignidade e é com dignidade que todos deviam viver (...) sou feliz e envio-lhe uma migalha (...) obrigado por estar a fazer o que todos os católicos deviam fazer».

«Assim que chega O Gaiato começo por ler os seus desabafos. Acho que não devo fazer perguntas nem comentários pelos motivos que sabemos e tanto os afligem e desequilibram. - Aquela do feijão com arroz deixou-me angustiada. Vivemos num mundo de ambição e vaidade».

«Acabo de ler o artigo Património dos Pobres do último jornal. É com as lágrimas nos olhos que venho agradecer-lhe a notícia da compra da casa para essa família perseguida por aqueles que, por dever deveriam defender e ajudar! Eu nunca mais esqueci a Janete e os seus filhos e rezei algumas vezes por ela mas nunca esperei que a resolução do caso fosse a compra de um apartamento. Larguei o Jornal para ir partilhar a minha alegria com o Senhor. Muitas vezes tenho vontade de gritar contra as injustiças exercidas contra os mais pobres que muitas vezes têm mais dignidade e nobreza que muitos poderosos do nosso país».

«Aqui vai uma pequena importância para o teu saco roto. Do momento não posso mais. Peço que te lembres de mim, e dos meus nas tuas orações».

Eu podia continuar pois há ainda mais vozes que ouvem o bradar dos pobres.

Padre Acílio