PATRIMÓNIO DOS POBRES

Cheguei a Casa numa destas tardes de intenso calor. Esperavam-me duas mulheres, sentadas no corredor central, onde corre uma fresquinha agradável.

De relance olhei para elas e, na altura, senti um pressentimento forte e triste no coração: - alguém que me pede uma resposta que eu não posso dar.

Não me enganei.

As senhoras dirigem-se a mim e contam o seu propósito: - Viemos as duas a pé. Somos irmãs.

Quem começou a conversa foi a mais baixa, pessoa de certa idade e forte com cara de uma alimentação desequilibrada feita à base de pão.

Ela com outra mulher alugaram uma casa, aqui, ao pé da cadeia. A outra foi vítima de um enfarte e está no hospital, há meses. Ela ficou sozinha com o encargo da casa mais a obrigação de cuidar da sua irmã que me era apresentada, como pessoa com uma grande depressão. Bastava olhar para ela, via-se logo.

A casa tinha sido arrendada em Agosto por 400 euros/mês mas só haviam saldado metade da caução. Com as multiplicações que a senhoria ia fazendo a dívida chegava já aos 2000 euros - evidenciava a pobre mulher numa carta escrita a computador. Mesmo a que falava comigo, dava-me a impressão de uma certa dificuldade mental. Dizia-me que trabalhara nas estufas em Pegões e ganhava lá o ordenado mínimo. «Dava para mim e para a minha irmã. De repente mandaram-me embora e eu fiquei assim sem nada».

Que fazer? Como remediar o caso? Pagar a dívida era me impossível e mais não valia a pena porque os meses passam-se rapidamente e elas não têm capacidade nenhuma para manter uma casa tão cara.

- Ai que vamos para a rua! - Gritava a interlocutora. - Veja se me acode senhor padre!»

- Mas como? - Respondi-lhe.

- Dê-nos alguma coisinha.

- Não vale a pena, é pôr dinheiro fora -, disse e continuei: - Arranjem uma casa mais barata que eu pago-vos a caução e o primeiro mês.

A que falava ainda insistiu enquanto a irmã olhava no vago.

- Mas dê-nos ao menos 200 euros.

- É pôr dinheiro na rua -, repeti-lhes.

Lá se foram ambas agarradas uma à outra, mas eu fiquei com elas atravessadas dentro de mim! Como irão arranjar outra casa mais barata? Como? Se elas estão sempre a subir de preço?

Não fora a despesa feita com a compra da casa para a Janete e o contentor para Malanje, não as teria assim despachado, perdoem-me o termo, mas te-las-ia acompanhado e averiguaria de perto como vivem! Uma dor se fixou dentro de mim, sobretudo após ter observado as suas capacidades humanas. Pobre gente! Pobres os pobres desamparados.

Diz o Papa Francisco na sua mensagem para o dia mundial dos pobres: A condição de pobreza não se esgota numa palavra mas torna-se um brado que atravessa os céus e chega a Deus. Que exprime o brado dos pobres, o seu sofrimento e solidão, a sua desilusão e esperança.

Podemos interrogarmo-nos: Como é possível que este brado que sobe à presença de Deus não consiga chegar aos nossos ouvidos e nos deixe impassíveis e indiferentes?! O Senhor não só escuta o clamor do pobre mas também responde.

É verdade que não se contam por muitos os envolvidos na resposta ao clamor dos pobres. Não se contam. Não se contam mesmo.

Quantos viviam à maneira dos pagãos?

Entre os políticos cristãos vemos que cuidam de si, da sua imagem, dos seus interesses e dos seus partidos.

Falam dos pobres quando chegam às eleições, mas alcançado o poder, a primeira coisa que fazem é aumentarem-se a si próprios, sem uma única excepção, como aconteceu no nosso último acto eleitoral.

Os pobres não têm influência política. Só os grandes!

O Papa Francisco diz que a resposta de Deus aos pobres é sempre uma intervenção salvadora para cuidar das feridas da alma e do corpo, repor a Justiça e ajudar a retomar a vida com dignidade. A resposta de Deus é também um apelo para que toda a pessoa que acredita n'Ele possa, dentro dos limites humanos, fazer o mesmo.

A Janete já tem casa, mas ainda não está nela, pois a escritura só se fará no dia 18 de Outubro. A sua compra deve-se ao pequenino rebanho que ouve a voz de Deus, e sua mobília do mesmo modo.

Vai ficar uma casa linda!

Na cadeia já toda gente sabe que o marido preso vai ter uma casa. As assistentes sociais, estupefactas, já lhe pediram que quando estivesse na sua casa nova lhes mandasse a morada. O Evangelho é sempre uma palavra nova.

Padre Acílio