PATRIMÓNIO DOS POBRES

O meu grito de aflição do passado O Gaiato ficou na última página.

Num cantinho cá ao fundo!

Sei que os meus leitores o procuram onde ele se encontrar, mas nem todos têm essa sensibilidade.

"Outros valores mais altos se levantam". O juízo não é meu. Meu é o bradar contra a injustiça a que os pobres estão sujeitos. Não tenho mais nenhum interesse.

A seguir à Janete, posta fora de casa com os seus seis filhos, sem qualquer saída que não fosse a rua, apareceu-me outra pobre viúva, ainda nova, com dois filhos, sofrendo o mais novo de doença crónica, também posta na rua, por ocupar uma casa que não lhe pertencia. A desgraçada viúva veio aqui pedir por tudo que lhe valesse. Durante quinze dias não saía desta casa, a chorar a sua desdita.

Sem qualquer saída que não fosse alugar uma casa, cuja renda pudesse suportar e de que eu lhe pagaria a caução e o primeiro mês, ela sentindo-se perdida, não nos largava a nossa Casa e a sua angustia agarrou-se de tal modo a mim, que por mais voltas que desse à cabeça, não encontrava remédio.

Um pouco desorientado fui procurar quem eu julgava ter alguma capacidade de acudir à minha aflição. Ouvi inesperadamente um dramático desabafo: - Nesta cidade temos carência de duas mil casas.

Duas mil casas são um grande bairro o qual é necessário surgir para acabar com o amontoado de famílias que vivem em promiscuidade, em nova edição dos remotos tempos passados da década de sessenta a setenta do último século.

Setúbal cresceu muito, como a maior parte das cidades hodiernas. Foram muitas as famílias que abandonaram as horríveis e pestilentas barracas e se acomodaram em casas dignas, devido a rasgados planos de habitação conseguidos e executados na parte Oeste da cidade.

Eu não sei a que departamento da autoridade pública compete responder a esta eminente necessidade social, sei somente que ela existe e urge solução.

Dada a subida repentina das rendas de casa e os baixos salários, é quase impossível viver sem recurso a uma casa abandonada, uma barraca clandestina ou acumulação de famílias num apartamento.

A cidade sofre de um baixo nível moral como quase todos os burgos ribeirinhos do mundo e esta enorme falta de habitação vem ainda agravar mais o problema.

Há quantos anos não se constroem habitações sociais em Setúbal?

Como responder de forma equilibrada a este fluxo de pobreza que, de todo País, e não só, acorre à cidade do Sado, parada na habitação social?!...

Padre Acílio