PATRIMÓNIO DOS POBRES
Entre as centenas de pobres que me batem à porta, lembro-me de duas senhoras — mãe e filha.
A mais velha era uma mulher alta, de olhos negros e fundos, com muitas rugas sujas na cara. Vestia-se de negro resplandecendo no vestuário, com evidência, a escuridão da própria vida.
As duas vivem numa baiuca gélida no inverno e um forno no tempo quente. A filha, uma pessoa de mais de trinta anos, é doente e pareceu-me um pouco desequilibrada. Vivem juntas. Várias vezes demandaram a nossa casa numa persistente aflição: que eu lhe arranjasse uma casinha!
— Mas como? — Perguntei-lhes. — Procurem vocês uma casa que eu pago-vos a caução e o primeiro mês. Mas descubram uma morada que possam pagar!
— A gente só tem 300 euros por mês para as duas.
— Não sei —, respondi. — Também alugar uma casa para estar lá só 2 ou 3 meses! Eu não vou nisso. Dirijam-se à Segurança Social que é do Estado. Este tem obrigação de vos amparar.
Foram tantas as vezes que me vieram rogar uma casinha, uma casa! Tantas as que telefonaram!... E a situação mantém-se.
Passaram-se muitos meses e as pobres continuam ainda na mesma betesga.
Uma vergonha humana e sobretudo um insulto para quem sendo responsável vem agora falar de morte digna.
Não é só este caso que quero salientar, mas as centenas deles que conheço nesta Cidade e arredores.
Não sei como é possível que um responsável venha falar de morte digna. Quem conhece o submundo acha ridículo que os deputados da Nação discutam e puxem cada um a brasa à sua sardinha discursando, sobre a dignidade da morte.
Falem, meus senhores, falem!... Falem, sim, da dignidade da vida, pois só uma vida digna poderá desaguar em morte digna.
Com tantas famílias a viverem situações miseráveis, os partidos e os deputados da Nação a crer regulamentar a morte!... Parece ridículo!...
Sabemos que o fim das pessoas pode ser de elevado sofrimento e é bom haver tratamentos que aliviem a dor. Isso, sim, ponha-se em evidência.
Agora empolar apressadamente o que chamam eutanásia! Quando há tanta criança e famílias abandonadas: sem escola, sem saúde, sem higiene e sem casa, vamo-nos debruçar sobre a morte?!
Quantas famílias, neste País não têm ainda uma cama e dormem no chão? Quantas casas faltam em Portugal para pessoas que aqui vivem e trabalham? Quantas crianças, filhos de pais analfabetos, não têm escola? Quantas crianças faltam à escola porque a mãe não lhes pode fazer o lanche? Quantos casais afirmam não criar mais filhos por não terem condições? Não pensem os responsáveis que a vida no País, para uma grande parte de gente, é igual à deles.
Então? Em vez da vida estamos a perder tanto tempo com a morte!...
Não vos perturbeis amigos, que a uma vida virtuosa segue-se sempre a uma morte digna.
Os ladrões, os assassinos, os possuidores de riquezas roubadas legalmente de consciências pervertidas, ilusoriamente fidedignas, por mais cómodas que forem as suas mortes, não escapam aos últimos momentos, que são terríveis!
Que lhes vale o conforto do hospital, o acompanhamento da família, o fausto do funeral, os elogios fúnebres ou até mesmo o perpetuar da sua memória com ruas, estátuas, jardins, etc.. Que lhes vale?
No último momento a paz de consciência é o melhor lenitivo para a dignidade da morte!
O resto é fachada!
Padre Acílio