PATRIMÓNIO DOS POBRES
Na expectativa de dar a conhecer aos amigos do Património dos Pobres o rosto daquela encantadora família, cuja morada estamos a ajudar a construir, voltei lá, para observar o andamento dos trabalhos e tirar uma fotografia. Além das camas, de que já falei, levamos-lhe um móvel de sala de jantar, uns maples, um frigorífico, pois o fogão e termo-acumulador já lhos havíamos comprado.
A casa está quase toda pintada, mas faltaram-lhes uns azulejos largos, com que quiseram forrar parte das paredes da sala e do corredor. No princípio da obra, quando vi que tinham azulejos para alindar a sua casa, senti-me meio contente e meio triste. Feliz por observar o carinho e o empenho que o casal punha na sua casinha. Triste por me parecer escusado a quem padece de tanta necessidade, pôr azulejos, embora baratos, na casa.
Entretanto, domina-me mais hoje a alegria de sentir que este casal aprecia a sua casinha, sua e de seus filhos, e têm muito gosto nela, apresentando-a também muito limpinha.
Agora pararam com a obra por lhes ter faltado dinheiro para comprar mais quatro caixas do mesmo azulejo. Que havia eu de fazer, se não dar-lhes o dinheiro para adquirirem o resto?
Ao chegar, as meninas fizeram-me logo uma festa e eu retribuí com outra a cada uma delas. Irrompe dentro de mim uma alegria inefável ao observar a limpeza das crianças e a ordem da casa.
O pai estava deitado com dor de dentes. As crianças foram logo chamá-lo, porque está aqui o padre. A custo, o homem desabafou que havia passado vários dias e noites sem dormir por causa de uma dor de dentes.
Lá o aconselhei a ir à clínica dentária da sua paróquia, para encontrar um alívio. Poderia ser que o atendessem, mas não fiquei a conhecer mais nada, além do que os pobres sofrem horrivelmente por falta de meios e de desenvolvimento.
Enquanto trato desta morada e me enlevo nela, penso noutras famílias, que vivem em condições piores que o nosso gado e não têm para onde ir, nem vislumbram sinais de esperança. As rendas sobem, enquanto os ganhos são os mesmos, e quem não paga só tem um sítio: a rua ou uma barraca em terreno baldio.
É o caso de um casal que aqui veio bater e a quem recomendei que fosse ter com o seu pároco. Se ele não puder, que vá, ao menos, certificar-se da sua situação e, depois, escreva-me.
Traziam consigo, por escrito, a ameaça de uma advogada a qual me mostravam a chorar: — Olhe!... Veja!... Leia!...
A doença bateu-lhes à porta. Ele não pode trabalhar. Como vai agora pagar a renda da sua casa?
Pensa-se e diz-se à boca cheia, que a vida está melhor. Sim. Não duvido que esteja melhor, para alguns. Para os pobres está muito pior.
Telefonou a pedir informações. Gostava muito de me conhecer.
Apareceu sem eu contar. Apanhou-me na Capela a preparar a homilia do Domingo. Entrou nesta adentro - eu não conhecia tal pessoa - volta-se para mim e quis logo abraçar-me.
Um abraço é um cumprimento que não se nega a ninguém, mas o senhor nunca mais me largava.
Homem de 77 anos de idade, há muito que se correspondia comigo, pois é um dorido dos pobres e apaixonado pelo Património.
De vez enquanto, aparecia-me um cheque com a sua assinatura e uma palavra de estímulo. Sofredor, sóbrio, escondido.
Fala do bem que o Jornal lhe faz. É a sua Bíblia. Desabafa a incoerência que nota em muitos cristãos e, até, nos padres, como isso o desgosta e afasta da Igreja.
Vê-se que é um homem bom, de coração generoso, o qual encontra na Obra da Rua a correspondência ao seu ideal. Deixou-me 2500 euros.
Por carta, embora com sinceridade, não dá para ter uma ideia do que a pessoa é e sente. A proximidade é dos melhores modos para nos conhecermos e reconhecermo-nos. Deus fez-se homem também para se tornar mais perto de nós.
Padre Acílio