Património dos Pobres
Ao final da tarde de uma sexta-feira fresca de Julho, três rapazes e eu, limpávamos o feijão, aproveitando o vento norte, longe da piscina e da eira quase contígua a esta, aplicados e cobertos de fragmentos de folhas secas de feijoeiros, numa tarefa que nos absorvia completamente em virtude de nuvens escuras a cobrirem o céu, ameaçando chuva que nos estragaria a farta colheita.
Passando o arco e vindo por aí abaixo, na nossa direcção, um homem novo aproximou-se de nós, empoeirados e sujos, e perguntou a todos, se eu é que era o padre. O barulho do pequeno tractor que accionava a ventoinha e ajudava o vento a depurar as leguminosas, tornava o ambiente mais tenso e mais desgastador.
O homem surpreende-nos, carregado de problemas duros, quer falar comigo e eu, sem capacidade nem paciência para o ouvir.
Ele teima e eu respondo-lhe:
- Não vê como nós estamos? E se chove lá se vai tudo à viola! Como o posso atender?
- Oh!, senhor padre, olhe que estou na rua, com os meus filhos!
- Vá ter com o seu pároco, que é padre fulano, e peça-lhe que veja a sua necessidade e me informe, que eu o ajudarei, depois, a resolver o seu problema.
De novo, no dia seguinte, sábado, o homem volta por volta do meio-dia.
- O senhor padre só está às terças e sextas (não sei se é verdade) e eu estou com os meus filhos na rua.
Verifiquei depois, que a morada destes pobres era bem perto da igreja.
Aproveitei a hora para lhe dar almoço e levá-lo, de seguida, comigo, para verificar a verdade das suas queixas, pois tinha de celebrar Missa no Carmo, às 16 horas, na cidade.
Na casa onde ele vivera, amontoavam-se várias famílias com filhos e filhas. À arrendatária ele dava, do seu ordenado, cem euros por mês. Agora, estava na rua por causa da barulhenta confusão de tanta gente, em andar tão apertado.
Vi a casa, vi a gente. Falei com a arrendatária. Tudo condizia com as lamentações do homem. Apresentou-me os filhos, duas meninas de onze e oito anos, e um pequeno de cinco. O rapaz dormia com os pais, na mesma cama, e as meninas com outras meninas no chão da sala.
Fui com ele ver o primeiro andar de um prédio que ele descobriu para arrendar. Falei com a senhoria. Vi as divisões e os móveis. Tudo em razoáveis condições para aquela família. A renda estava já acertada, embora, ao ver-me, a senhoria começasse a querer subir. O homem atalhou:
- Mas não me disse que eram 250€ por mês?
- Sim, mas o senhor - para mim -, não vê a casa e os móveis?! Não acha pouco 250€?
Eu calei-me mas o homem acudiu: - não foram 250,00€ que combinamos?
Eu rematei:
- Se quiser..., passo-lhe o cheque de 500,00€ e pronto.
Ficou assim; mas enquanto me dirigia à comunidade que comigo celebraria os mistérios sagrados, ia pensando: Este exame que acabo de fazer, não poderia ser realizado, com muito mais proveito para todos, pelo Pároco, por uma Conferência vicentina ou por qualquer grupo cristão da paróquia? E, em vez de ser eu, a passar o cheque à senhoria, não era melhor tê-lo feito ao Pároco, e este, como presença responsável da Igreja, valer aos Pobres? Não seria muito mais proveitoso ao apostolado a proximidade e presença paternal da Igreja, se fosse feita pelo pároco ou seus emissários?
Não é assim e, é pena! Perdem os Pobres, perde a Igreja e perde o Povo!
Tanto vale o Papa Francisco recomendar a proximidade com os pobres, como estar calado. Talvez por essa ou outras razões, o Santo Padre se lamentasse, no regresso de Fátima, que um dos grandes inimigos da Igreja, actualmente, é o clericalismo. Como todos gostaríamos de ver uma igreja activa, a defender, com palavras e obras, os mais pobres.
Mesmo a ganhar o salário mínimo, numa fábrica de aproveitamento de resíduos e a sua esposa sem trabalho, como pode aquele homem educar, nutrir e manter saudável a sua família? Como? Para a renda da casa, vão 250€. Para água, luz e gás, pelo menos mais 75€. Quanto sobra para comer vestir e calçar? Quanto? E se um membro adoece?
Seriam
dores muito saudáveis para a Igreja, se a proximidade com os mais pobres fosse
real.
Padre Acílio