
PATRIMÓNIO DOS POBRES
O Senhor é o refúgio do pobre na tribulação. Esta voz do Salmista, saboreei-a quase todos os dias e gostaria de transmitir aos meus leitores o doce que se refugia no pobre, quer quando lho dou, quer quando o recebo da parte do Senhor.
Para isto não há como contar um dia a viver com o Património.
As vésperas foram bastante amargas, era uma mãe com filhos e o marido doente. Recebera da Segurança Social uma intimação de que, se não pagasse uma dívida do marido, até ao dia seguinte, este seria preso. A dívida era de 2000,00€, mas a pobre já tinha negociado com um elemento da dita Segurança Social a liquidação da referida dívida, em fases. Esta era a primeira, 272,00€. Se não pagasse até ao fim do outro dia o seu companheiro iria dentro!...
A pobre moeu-me na véspera, com choro, uma série de vezes ao telefone e eu a responder-lhe que não tinha dinheiro.
Já lhes havia pago recentemente o pão de alguns meses, e dado 70,00€ para comprar um frigorífico em segunda mão. E agora ela não me deixava. A minha resposta foi sempre igual: — Não tenho dinheiro.
Entretanto, um amigo vindo de longe, veio para tratar de assuntos da sua própria vida e passou por Setúbal e obrigou-se a vir-me falar. Já na despedida põe-me na mão 200,00€ em quatro notas de 50,00€. Olhei-o e disse de coração aliviado: — Olhe, já tenho dinheiro para dar a uma pobre, assim… assim!
— Não senhor! Não senhor! Este dinheiro é para si. Disse-me em voz alta, como quem ralha:
— Quanto precisa para dar ao pobre? Eu nem me lembrava bem a quantia certa e apontei-lhe 220,00€
— Tome lá para a pobre. — Exclamando alto e determinado.
Como é bom sentirmos a Providência Divina, na boca de homens justos! Eu vejo, neste frágil gesto, a acção do Espírito. Também desconheço, se alguém naquela instância estatal, foi à casa da miserável para observar o nível social e a capacidade económica, antes de lhe mandar a intimação! Será só a secretaria a trabalhar?! Talvez!! Os pobres gemem, gemem!!
Um pouco após o meio dia, batem à nossa porta. Quem será que aparece, sem nós contarmos?
— Amigos de peito que três ou quatro vezes por ano nos visitam, com as suas ofertas: pai e filha.
Gente conquistada pelo zelo com os pobres. Há largos anos o pai carrega a sua viuvez, compensada com o êxito dos filhos e dos netos, na vida e pelo seu próprio trabalho.
A mãe, uma senhora, foi quem me acompanhou há muitos anos, numa acção a favor de uma família de cinco filhos, muito mal orientada e um deles tão anormal, que enquanto fazíamos limpeza e mudávamos a sala de comer para outra divisão por causa do arejamento, e das janelas, um dos filhos mais velhos, foi à casa de banho e tirou da sanita, com as mãos, toda a porcaria para o chão, deixando tudo inundado de sujidade. O pai deles, trabalhava como motorista na distribuição de bebidas e a mãe muito jovem ainda, era alcoólica.
Levámos mobílias, material de limpeza, loiças, cadeiras e uma mesa. Trouxemos uma fortíssima amizade e admiração uns pelos outros. Sentimentos que passaram da esposa para o marido num crescente constante, com a dedicação daquele à Casa do Gaiato de Setúbal.
A mãe faleceu, quando eu, assumindo a direcção da Obra, tive de ir para Paço de Sousa. Um cancro vitimou-a em cinco meses, mas a amizade aos pobres, passou para os filhos, amparados por um pai extremoso.
Pai e filha, trouxeram-nos o almoço, preparado, durante o qual partilhamos a nossa amizade. Com fruta, carne e peixe do melhor que se come por aí, e uma avalanche de amizade que tanto nos consolou.
À tarde, pelas 17h00m fui, como é normal, celebrar a Santa Missa no Carmo e esperava-me lá a atormentada pela notificação atrás referida.
Ao ver-me, aquele corpo alimentado de pão, massa e arroz, com uma doentia obesidade, encheu-se de Luz! Levantou-se, veio até ao carro que eu conduzia, talvez ainda meia incrédula: — Senhor Padre?!
— Tenho aqui o dinheiro. Respondi imediatamente, ao vê-la ansiosa.
Após esta atenção, uma outra mulher baixa, com uma criança pela mão, pôs-se à minha frente, lamentando-se a chorar que o homem, progenitor dos seus três filhos, a deixou sem cartões bancários e cinco meses de renda de casa, por pagar.
Só lhe perguntei aonde morava, e a fugir, disse-lhe que não tinha como resolver o seu caso. Mas ele entrou dentro de mim, amargurando-me, uma vez que não tinha nenhuns dados, sobre os factos. Não reajo às primeiras impressões, sem me fundamentar.
Padre Acílio