PATRIMÓNIO DOS POBRES
As histórias dos pobres vão passando por cima de mim, cada vez com mais peso, à medida que vou vivendo.
O confronto entre o procedimento dos grandes e o dos pobres, e a diferença de nível, leva-me a não parar o esclarecimento um dos outros, já que Deus me deu a Graça de ser pobre e amar a pobreza.
O facto de ter agora mais disponibilidade de tempo, estou a par de notícias de gente da alta, que me são dadas pelos meios de comunicação social, e me enchem de tristeza: onde encontro famílias sem casa, sem comida, sem remédios e à mingua, enquanto outros disfrutam de milhões, como nós lidamos com cêntimos.
A Susana é uma pobre abandonada pelo progenitor dos seus filhos, a qual ganha o salário mínimo e se via aflita para pagar a renda da casa, de 600€. Consegui ajudá-la várias vezes até que lhe disse: - não pode ser, não posso ajudar só a ti. Vê se arranjas alguma estratégia, para eu me poder voltar para outras, que nesta cidade somam mais de duzentas.
Passados três ou quatro meses vem-me com a proposta da senhoria, que lhe aliviava a renda para 400€ se lhe desse já 7500€, já que a casa aonde morava passaria a ser sua, volvidos dez anos.
Aceitei o repto e dei-lhe a quantia exigida, ela ficou radiante, fez escritura no notário e começou a pagar a sua casa, pela quantia mais leve durante o período de tempo estipulado entre os acordantes e os escriturários. Um acordo de cavalheiros, de confiança uns nos outros, mas seguro.
Quando as finanças souberam que ela possuía uma casa, vieram sobre ela com uma dívida de 18.000€ aproximadamente que o pai dos filhos dela, agora preso, contraíra pela internet em nome dela, sem o seu conhecimento e que a dívida julgava estar paga, segundo as afirmações mentirosas do pai dos filhos.
Agora com uma casa, a pobre mãe já tinha algo a que o fisco deitasse a mão, a favor do Estado.
Ela rebentava de dor e de impotência, quando recebeu a convocatória do tribunal para se apresentar em Lisboa, pressentindo logo ,sendo algo do progenitor dos filhos. Não se enganou.
Perante a juíza chorou, chorou, manifestando a sua inocência, inculpabilidade, a situação económica em que estava, a dos filhos, um de cinco e outra de três anos de idade. As ajudas conseguidas para a casa, quem lhe tem valido, tudo ela expôs num mar de lágrimas.
A juíza não lhe poupou a despesa de tribunal, mas tirou-lhe os juros de mora e a quantia ficou a raiar os 15.000€. Nessa noite não dormiu. Agarrou-se aos filhinhos e gemeu, enquanto eles dormiam. Numa aflição daquelas, as crianças eram (são) o único conforto que a poderiam aliviar, daquele terrível pesadelo.
Desfeita vem ter comigo. Desabafou, desabafou, lastimou-se, rangeu e entre soluços e choro esganiçado, nunca mais se calou, tal era a sua dor. Verdadeiramente, eu sentia-a enforcada.
- Vamos lá ver, gritei tentando travar os lamentos. Vamos lá ver como poderemos resolver esta situação.
- Tu arranjas alguma ajuda? Calou-se. Olhou-me com dúvidas...
- Os meus pais morreram os dois num desastre, a minha avó é pobre, sofre de Alzheimer e a reforma mal chega para viver, queixou-se de olhos arrasados.
- E a tua entidade patronal?
Calou-se. Voltou a olhar-me e balbuciou: - Talvez.
- Vê se arranjas quem te ajude, eu já te acudi bastante, não sou só teu pai, tenho muitos filhos. Eles são um enxame.
Ela veio outro dia: que os patrões lhe emprestavam 2000€ a pagar 50€ por mês.
- Eu vou pensar o que farei!...
- Olhe que se não pagar até 10 de Fevereiro, vai-se tudo à vida. Obrigam-me aos 18000€.
Que fazer, meu Deus?!... Fechei os olhos, pu-los no Céu, fui ao banco e fiz uma transferência de 6500€ e terei de fazer o mesmo antes de chegar o 10 de Fevereiro.
Há dias, um amigo do Património mandava-me descansar : - deixe os pobres, você já fez muito...
- Como deixar os pobres? Como? Quando o Senhor me chamar, deixá-los-ei. Espero que outros se apaixonem, que o Espírito Divino não morre.
Amargura-me saber que homens de barba já pintada, se aproveitem do dinheiro dos pobres para os seus caprichos. Não se lembram, que até os mais desprovidos, pagam impostos ao Estado pelo pãozinho e pelo leite e, eles tratam esses valores sem qualquer respeito, como se os tivessem ganho com o seu próprio suor e ninguém os obriga a retribuir.
Padre Acílio