
PATRIMÓNIO DOS POBRES
Nesta minha vida que Deus me deu, e que eu tomei com gosto e alegria, surgem acontecimentos nunca imaginados no submundo dos pobres.
A mãe, uma mulher nova, cheia de vigor, veio ter comigo para lhe arranjar uma casa, pois tinha três filhos, uma já adolescente, outro com oito anos e um bebé.
Abandonada pelo progenitor alugou há cinco anos uma casa. Nunca faltou com o pagamento da renda, e de um momento para o outro, foi posta na rua por uma empresa ou banco que comprara o imóvel sem ela saber. Afinal, a pobre compensava uma renda barata a uma pessoa que não era dona da casa, mas arrendou um andar que assaltara. Tudo isto feito sem contrato, sem documento da propriedade, isento de recibo, apenas palavreado. Tudo porque mais baratinho, o apartamento estava mais ou menos habitável e ela não alugou de boa fé.
A empresa que adquiriu o prédio não esteve com meias medidas. Pôs o caso em tribunal e as famílias desocupadas foram obrigadas a sair com prazo de dias.
Verdadeiramente, nesta cidade, há por aí algumas torres desprezadas com graves problemas de infiltração, que os bancos tomaram por falta do cumprimento das prestações, nas grandes crises por que esta cidade tem passado.
A senhora soube aonde eu residia, veio com forte expectativa de que eu lhe compraria uma casa, para ela morar com os filhos.
Ao ver a minha impossibilidade de satisfazer o seu desejo, desatou num choro desesperado e aos gritos, - Como é que eu hei-de viver?... Tiro do meu ordenado apenas 580,00€!... Ela trabalha numa escola pública. - Se eu não arranjo uma casa por menos de 600,00€ como hei de viver com os meus 3 filhos?!... Como, meu Deus!... Como, como? - E gritava, berrava e chorava, enraivecida e revoltada.
A dona Conceição repartiu com ela, latas de feijão cozido e outras de atum para a acalmar. Mas ela deixou a nossa porta num choro desesperado.
Tive conhecimento que os senhorios pagam aos Estado 28% das rendas que recebem. Não sei para onde vai tanto valor!... Não se vê o Estado e as autarquias a sentirem esta terrível impossibilidade de viver, de tantos cidadãos desprotegidos.
Há muitos anos que esta coluna se ergue a gritar pela construção de casas para os mais desprezados viverem! Mas... em vão. Em primeiro lugar, estão as exigências dos mais altos, dos que vivem melhor, pois os mais pequeninos, não pesam na balança política dos responsáveis. Mas isto não fica assim!... Este desprezo é contra a natureza humana e tudo o que é contra o Homem só causa revolta à própria humanidade.
Fala-se muito de projectos modernos, económicos, gigantescos e problemas sociais, mas não se vê ninguém responsável a tomar as rédeas desta sociedade angustiada dos mais pequeninos.
A primeira carência do Homem é a de uma casa para viver e criar os filhos. Sem ela não há saúde, nem equilíbrio, nem vontade. Um Homem sem casa é como um náufrago sem bóia. Pode ter alguma coisa, mas, se não tem casa não tem nada.
Uma família pede-me ajuda para pagar um quarto e depois começar a esforçar-se por arranjar trabalho. É gente estrangeira. Primeiro tem de pousar. Adquirir o ninho, uma referência onde poderá descansar, reunir-se com os outros membros da mesma família, e só depois começar a vida.
O pouso é fundamental no sentido profundo da vida. E o que é para esta família que se contenta com o mínimo dos mínimos, muito mais para todos os outros.
Deixemos os grandes empreendimentos e corramos antes a criar casas para todas as famílias.
E que ninguém venha fazer política com esta matéria, pois que em cada aglomerado, bairro, freguesia e concelho se meçam as necessidades fundamentais do Homem, das famílias e da sociedade.
Não estamos num tempo em que a Igreja Católica tinha voz forte e arrastava as consciências, levando ao cuidado dos mais pobres.
Hoje, a maior parte destas instâncias é capaz de se preocupar com tudo, menos com os pobres.
O Património pouco poderá fazer sem a colaboração dos párocos, sujeitando-nos a sermos enganados, e os mais miseráveis, aqueles que caíram nas mãos dos ladrões, esses ficam na valeta, abandonados sem que demos por isso.
Com as rendas das casas a subir de forma exorbitante, quantos meses de renda poderemos pagar aos infelizes sem tecto?
Há dias no final da missa paguei de rendas 12.000,00€ e só atendi as que sabia serem mesmo necessitadas. As mais baratas foram de 400,00€ e as mais caras 700,00€. A duas paguei dois meses, 1.200,00€ e a outra 1400,00€.
Ai dos pobres! Ai dos Pobres sem os amigos do Património! Que estes se alegrem, exultem com o sacrifício pelos nossos irmãos mais infelizes.
Padre Acílio