PATRIMÓNIO DOS POBRES
Era uma tarde pardacenta, de um domingo preguiceiro. Eu recostava-me na minha cama, aguardando o alívio das minhas mazelas. Sou acordado pelo toque incomodativo do telemóvel:
- Está lá? Quem fala?
- Senhor prior, estou aqui com os meus filhos na rua.
- Na rua, onde?
- Neste largo, frente ao hipermercado chinês.
- Mas eu passo aí todos os dias e não vi aí ninguém.
- Senhor prior, tenha pena de nós, que ainda hoje não comemos nada.
- Ao Domingo não tenho aqui ninguém que me ajude a distribuir seja o que for. Apenas posso dar-lhe pão e fruta.
As minhas mazelas calaram-se um pouco e eu desci, passada meia hora, para atender os pobres.
Já estavam na cozinha um rapaz novo e uma jovem. Que vivem na rua, se eu os posso ajudar na aquisição de uma casa.
- Então, mas vocês não pediram só alimentos?
- Não fomos nós, foram outros.
- Mas como é que eu posso agora ajudar-vos na compra da casa?
- Tem ajudado tantos, também nos ajuda a nós.
- Nem pensar! Não tenho dinheiro, nem faço as coisas com essa facilidade.
Entretanto, vejo outras pessoas vestidas do mesmo modo, fora da sala de jantar, a espreitar à janela.
Eles insistem e insistem, como se eu fosse dono do mundo e não quisesse partilhar com eles uma migalha.
Não faço diferença entre negros ou ciganos, de qualquer raça ou cultura, mas, com os ciganos, ponho-me sempre de pé atrás.
Com isto, não quero eu dizer que entre os ciganos não haja gente belíssima, com vidas heroicas e humildes, mas o geral não é assim. A gente tem de se precaver, não nos podemos abrir, como eles pretendem. Tudo me cheirava a ciganice.
Continuam os dois jovens sem desarmar, a apertar comigo, para que os ajude, porque sou padre, porque sou um homem de Deus, porque tenho ajudado tanta gente e porque agora não os quero ajudar a eles. E repetem as suas exigências, lamurientas e chatas, até à exaustão.
Logo, de princípio, agarrei-me à verdade das coisas:
- Dou-vos pão e fruta. Não tenho dinheiro nenhum.
- Mas quando é que nos pode receber outra vez?
- Eu sei lá. Estou tão doente!
- Mas, marque o dia, marque a hora.
- Meus senhores, mas para quê? Se não vos posso ajudar, que vêm vocês aqui fazer?
- Ajuda a tantos, só a nós é que não quer ajudar.
E a discussão chega a tal ponto que
eu tenho de levantar a voz, para ver se me livro deles.
Verdadeiramente, com
gente assim, eu não me entendo.
Padre Acílio