PATRIMÓNIO DOS POBRES

O Património de hoje é bastante doloroso e eu nem sei como irá acabar um caminho de vidas tão amargurado.

O problema é a casa. Todos sabemos que, embora os sem-abrigo, isto é, pessoas que vivem na rua também o fazem de forma marginal e de vida curta.

Estes são um problema social criado por esta mentalidade moderna em que vivemos e a que não reagimos suficientemente, pois não é só o facto de estes constituírem uma nova desordem social, mas serem, também, um atentado à dignidade humana e uma acusação viva e contínua à organização social dos nossos tempos, a qual analisaremos noutra altura.

Hoje, Domingo, logo de manhã, após a Santa Missa, fui assaltado, não para me roubarem, mas para me ferirem com a dolorosa situação de uma família de quatro filhos abandonada pelo progenitor e posta na rua na baixa da Anunciada. A pobre mãe alimenta dois recém-nascidos com os seus peitos e as filhas mais crescidas trazem marca do abandono do pai que, repudiando os quatro filhos como se com eles não tivesse compromissos naturais, fugiu com uma brasileira, tomando uma atitude irresponsável sem que ninguém o chame à ordem.

Julgo ser um crime contra a natureza o repúdio dos filhos, mas quem o irá condenar por isso, se é livre em se ligar a outra mulher que não seja mãe dos seus filhos? Sim, quem o vai procurar e obrigá-lo a dar aos próprios filhos parte do próprio suor, como é sua obrigação primordial? Que há-de a gente fazer perante uma tragédia destas? Se a Segurança Social é surda e os Tribunais tão demorados, quem resolve de um momento para o outro um problema destes?

Batem-me à porta por que já comprei casas para pessoas desprovidas; porque tenho ajudado muita gente a pagar rendas, mas eu não sou um homem rico. Sou um homem que tenho apenas aquilo que me é dado por amor de Deus.

De repente pedem-me mil trezentos e cinquenta euros para alugar uma casa com dois meses de caução e um de renda!... Como entrar num negócio destes se ninguém lhes assegura a continuidade do pagamento?

Os meses passam repentinamente e é tão difícil, com quatro filhos, arranjar dinheiro. Que fazer, meu Deus? Contra toda a esperança pus-lhe nas mãos o cheque endossado ao senhorio no valor de quatrocentos e cinquenta euros. Mandei-os pedir a outros lados depois de lhes encher os sacos de comida, pois não tinha mais dinheiro.

Mal estes saem, logo me bate à porta um homem novo com um menino ao colo. Estivera um mês sem trabalho, a progenitora da criança abandonara-o e ele ficou com o filho nos braços.

Vive num quarto no Bairro do Liceu e pedia-me para lhe pagar três meses de renda para não ir para a rua com a criança. Que iria trabalhar na segunda-feira para Alcácer do Sal numa empresa de construção civil, que tinha de deixar a criança numa ama e que não tinha meios nenhuns. Era um homem de meia estatura, cara redonda e cabelo curto. Começou por chorar, chorar, chorar até que o obriguei a suster as lágrimas. Eu não sei como resolver estes problemas. Dou o que tenho, mas a amargura destrói-me. É horrível o problema da habitação e por mais que eu grite, os responsáveis fazem ouvidos de mercador. Vai-me valendo a Misericórdia de Deus e os corações que acreditam em mim e me vão ajudando.

Padre Acílio