PATRIMÓNIO DOS POBRES

Deus deu-me a Graça de experimentar o sofrimento, não só na operação que fiz, na terrível infecção urinária, que me deitou abaixo mas, mais ainda, pela comunhão, na dor dos outros doentes.

Estar com pessoas no hospital, no mergulhar das suas dores, é perceber o que não se entende de outra maneira.

A minha estadia no hospital do Outão, onde fui operado ao joelho, correu bem e, cinco dias depois, tive alta, voltando para casa e julgando passar melhor desta situação.

O hospital do Outão é pequeno, as enfermarias funcionam admiravelmente, e eu trouxe dali as melhores impressões, quer dos serviços, quer das pessoas que os executam.

Dois dias depois, surgiu-me uma obstipação seguida de uma infecção urinária, as quais me fizeram voltar ao hospital de Setúbal por três vezes, até que fiquei mesmo internado, numa enfermaria de três camas.

Aqui sim, nesta enfermaria é que a doença me bateu fundo à porta. Não a mim pessoalmente, mas aos meus companheiros, um que estava junto à minha cama. Era um homem nos seus cinquenta e poucos anos, gordo, muito gordo, até os ombros eram altos de gordura. Uma obesidade rara. Sofria de uma profunda ferida na barriga da perna, era uma úlcera tão grande que se via o osso. Observei a triste realidade quando uma enfermeira, a meu lado, lhe descobria a chaga e a curava. Este homem não se calava um momento, berrando continuamente, noite e dia, não permitindo assim que alguém dormisse.

Na segunda noite, aí pela uma da manhã, atrevi-me a chamar a enfermeira e pedi que lhe desse algum produto que o serenasse. Em vão. A enfermeira retorquiu-me que estávamos num hospital e não tinha ordem médica para o sedar. O remédio estava dado, havia apenas que aguentar.

No outro dia, veio um enfermeiro mais sábio, que não tirando razão à colega, foi ter com a médica e conseguiu que na terceira noite e seguintes se restabelecesse algum silêncio para podermos descansar.

Nunca o vi ser visitado pela esposa, filha ou filho. Ninguém. Aquele infeliz passara a vida a comer e a beber. Não criou família, não se incomodou com mais nada. Assim, a comer e a beber, chegou a um estado que todos atingem sem olhar para mais nada.

Na terceira cama, outro falhado, passou a vida com mulheres e, com setenta e nove anos, tinha a última há dez anos, a qual, vendo-o agora inutilizado, repelia-o como companheiro: - Eu tenho a minha casa e ele tem a dele. O pior é que ele está sem cabeça para se governar sozinho, pois tinha-se amarrado à cama ou ao sofá para não se levantar e ir embora.

Dois casos paradigmáticos, produto desta sociedade hedonista que agora se queixa ter muita gente que chega ao fim sozinha.

Verdadeiramente, o hospital não sabe para onde enviar estes solitários quando acabam os tratamentos.

Padre Acílio