PATRIMÓNIO DOS POBRES
Não havendo casas com rendas atingíveis para quem ganha o mínimo dos salários, como viver?
Com dois rapazes — eles são sempre os melhores e mais sábios companheiros — fomos aos pobres distribuir hortaliças, trazidas na nossa camioneta, do Banco Alimentar contra a fome.
O lugar onde eles mais gostam de ir é ao Bairro Negro, não o do Canto do Poeta, mas o real, que se situa numa antiga fábrica de conserva e pela encosta acima, com casinhas pouco mais dimensionadas que as palhotas.
Ruelas estreitas, para cima e para baixo, abriga ali uma enorme quantidade de famílias de raça negra.
Vêem-se construções com tijolos de sete centímetros de largura, as quais vedam apenas a intimidade das famílias. Nem o calor nem o frio ficam longe da casa, que a maioria delas são cobertas de chapa de zinco ou fibrocimento com pouca capacidade isolante.
O acesso ao Bairro faz-se por uma cantaria velha, artisticamente lavrada, que dá para a rua principal, onde não se podem cruzar dois veículos normais e se estende ao longo do subúrbio, que eu nunca palmilhei, mas que pressinto ser comprida e, o rio humano, onde desaguam dezenas de ruelas, de um e outro lado.
É quase só gente de cor, que me parece ter vindo das antigas colónias africanas, mas pessoas humildes, cordiais e trabalhadoras, que lhe dão um ar simpático e agradecido.
Quem dera que noutros aglomerados com mais regalias se cultivasse o amor ao trabalho, como neste.
Uma abandonada mãe de cinco crianças chorava ontem, junto de mim, porque o progenitor delas se recusou a apanhar um trabalho que lhe era proposto. Por isso, ela sozinha iria perder o RSI, ficando apenas com o abono dos filhos. Penso que este e outros progenitores deveriam ser obrigados a trabalhar, pois são autênticos promotores da miséria e a sua situação é contra a lei natural, nem que estabelecesse um período transitório de trabalho forçado, até apanharem o hábito e a disciplina horária do trabalhador. Se não, nunca mais sairemos deste estado miserável que, em família, se torna contagioso e quase hereditário.
Foi muito rápida a nossa distribuição.
A gente chega, toca a buzina da e logo, de todos os becos, saem mulheres, homens e crianças a correr ao local costumado, com os seus sacos, baldes ou alguidares. Os rapazes distribuem felizes as quantidades combinadas comigo, a cada família.
De regresso, avistámos outro aglomerado de barracas e aproximámo-nos para observar se por lá morava gente.
Assana, sempre curioso, apeou-se, viu e fotografou. Ora, aí está. O que há tanto tempo tenho adivinhado.
A falta de casas e o seu inacessível preço faz com que as pessoas sejam obrigadas a viver em condições infra-humanas, quase como animais selvagens.
Não basta apregoar que precisamos de mão-de-obra estrangeira. Não basta facilitar entradas no País. Tudo são medidas de ocasião. Como o foi ou como foram as tomadas na crise que assolou o País, também por causa do roubo dos grandes senhores e obrigou tantos bons trabalhadores da construção civil a emigrar e a empobrecer o País. Não bastam acertos de momento. É necessário programar ao longe, sem medo de perder clientela política.
Como estamos, os possuidores de casas ficam cada vez mais ricos e o investimento para a habitação é hoje dos mais rentáveis. Para a estabilidade social é urgente a construção de moradias com fins sociais. Não basta a iniciativa privada.
Padre Acílio