PATRIMÓNIO DOS POBRES

Só ouve o clamor dos pobres quem o experimenta.

A indiferença de que se queixa o Papa Francisco e a sentimos no nosso dia-a-dia, avassala a multidão humana, absorvida por fenómenos sociais que, por vezes, são verdadeiros cultos a apaixonar o coração dos homens do que a pobreza de tanta gente que nos rodeia.

Está, aos olhos de todos, que a situação caótica da habitação foge ao alcance político, sempre mais preocupado com o crescimento e a influência partidária do que enfrentar esta enorme carência da população excluída a viver em barracas ou casebres sem condições, nem dignidade.

Arrastados por este alheamento, muitos cidadãos imaginam até que não há pobres neste Portugal, por não os verem, os desprezarem, imaginando que todos são miseráveis, preguiçosos, exploradores e cúmplices da mentira.

É verdade que uma das grandes fontes da pobreza é a falta de hábito de trabalho, de disciplina, de brio pessoal e dignidade.

Para alguma desta gente, não basta que o Estado ofereça e pague currículos escolares, nem profissionais. É urgente que imponha a obrigação de trabalhar e crie condições para que isso aconteça. Se o Estado retira o R.S.I aos pais que são presos - o que é uma injustiça - e às famílias que não põem os filhos na escola, também o devia, em nome da dignidade humana e de justiça distributiva, obrigar pelo menos os chefes de família a ter um trabalho remunerado.

A partir de certa idade ou após a assunção de compromissos familiares, como o ajuntamento ou matrimónio, os cabeças de casal deviam ser obrigados a trabalhar.

Esta seria uma medida de profilaxia social do maior alcance para acabar com a pobreza extrema e a miséria humana.

Uma das causas do indiferentismo cristão está também na resposta íntima e intuitiva com que lhes voltam as costas: que trabalhem. Que vão trabalhar.

Não seja esta lei para sujeitar inaptos, doentes ou velhos, nem para escravizar ninguém a qualquer condição indigna ou injusta, mas para transmitir nobreza e equidade a todos.

O estigma de não trabalhar está impregnado na mentalidade social de tal maneira que se alguém for denunciado de pertencer a tal raça já ninguém lhe dá ocupação.

O trabalho é tão natural ao homem comum como o alimento. Daí a Palavra Sagrada: — Quem não trabalha não deve comer.

À medida que a agricultura se mecaniza na apanha dos cereais ou na colheita das frutas, os homens sem habilitação profissional, começam a ter menos saídas, mas o mundo das necessidades é tão vasto que há ainda por aí muitas aberturas rentáveis para gente que sem grande esforço se pode adaptar às tarefas.

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As rendas de casa são a minha morte.

O súbito aumento do preço das casas arrendadas é assustador.

Uma família com um salário somente é incapaz de obviar ao preço do tecto alugado que habita. Tornou-se impossível e esta dificuldade vai crescendo ainda mais com a vinda de muitos estrangeiros para o nosso Torrão.

Às vezes, sou até tentado a fugir, pois os casos apresentam-se tão dramáticos que, se não lhes acudo, fico doente, pois a barraca não é solução para ninguém, muito menos, para o nosso tempo.

Um casal com dois filhos quis sair do gelo e da porcaria de uma barraca, sem luz, sem água e sem sanitários. Encontrou um casebre com uma divisão a servir de entrada, sala e cozinha, mais um quartito sem janela, onde mal cabe a cama e uma reduzida casa de banho, sem água, por duzentos euros ao mês.

Pedia-me a caução e o primeiro mês. Dei-lhe quatrocentos euros!

Ao que nós chegamos!...

Quem possui casas para alugar faz um dinheirão. A quem nada dispõe, sobra-lhe a rua, o céu gelado, a imundice repugnante, a promiscuidade corrosiva e um nojo social.

Padre Acílio