PATRIMÓNIO DOS POBRES

O Natal foi abundante em ofertas alimentares. Tão lauto, que nos obrigou a sacrifícios vários, para distribuir pelos Pobres, os mais rapidamente perecíveis, de forma que nada se estragasse.

Foi uma padaria que, de vez em quando, nos telefona «para passarmos por lá, que tem um, dois ou três sacos de pão, sobrado da venda».

Agora, por altura das festas, parece que os padeiros se enganaram e cozeram mais do que o necessário para a venda. O Hélio foi lá, e vendo tanto cereal cozido e quente, e sabendo da fartura dele em nossa Casa, foi logo, por sua autodeterminação, levá-lo aos Pobres que ele conhece bem.

Chegou a casa muito feliz e contou: «Fui a tal e tal família. A primeira é de confiança e distribui pelos vizinhos mais pobres do bairro; e, depois, fui àquele ajuntamento de barracas onde deixei uma alegria enorme».

Já fiz, várias vezes, esta referencia à predilecção do Hélio pelos Pobres. Ele sabe e conhece bem, não só por ter feito as reflexões sociais ou ter frequentado alguma Universidade, mas por ter andado por lá e ser dotado de um coração sensível, sofredor e generoso.

No domingo, véspera do Ano Novo, pelas 13 Horas chega o Hélder com uma carrada de pão quente.

O Hélder possui uma pequena empresa da sua especialidade ambiental, formada na Universidade, mas quando o trabalho aperta, arregaça as mangas e ajuda os sogros e o tio no trabalho da padaria.

Toda a noite a cozer!... Depois..., algumas encomendas são anuladas à última hora. «A massa estava feita», desabafa «os fornos quentes e não íamos deixá-lo perder. Cozemos.... E aqui tem.... Podem comer ou dá-lo aos Pobres».

Não me calhou nada bem, mas não havia outro remédio. Passamos o pão para a nossa carrinha, chamei dois rapazes para me ajudarem, a D. Celeste também quis ir.... Aí vamos nós, combinando dar vinte e cinco carcaças e um pão a cada família.

Era Domingo!... Poderíamos pensar que àquela hora não encontraríamos ninguém em casa. Ora... —, os pobres estão sempre em casa. Eles, os filhos e os netos.

Após termos passado por algumas famílias já conhecidas, a gente chega ao bairro, toca a buzina, as janelas abrem-se esperamos um pouco, os rapazes meus companheiros abrem a goela e gritam: «Temos isto ou aquilo para dar». Em menos de dez minutos ficamos rodeados de pessoas com sacos, alguidares, panelas etc., e muitas crianças pelo meio.

A nossa camioneta chegou carregada de iogurtes, maças, pêras e outras preciosidades. Os iogurtes tinham dois dias de margem, até ao final do prazo. Sabemos que estes alimentos se aguentam em estado saudável, bem acondicionados, mais uns quinze a vinte dias!... Mas se alguns daqueles que tem a barriga cheia, alma vazia e a autoridade na cabeça, nos apanha, estamos desgraçados!... Então?! É melhor distribuí-los logo que cheguem ao nosso alcance, enquanto a papeleta está actualizada.

Durante os dias da festa natalícia, quatro vezes, por bairros diferentes, fizemos esta distribuição.

Uma da visões mais agradáveis à minha alma é ver os Pobres contentes! Às crianças damos uma fruta ou uma carcaça ou um iogurte ou bocado de bolo. Mas não as consideramos com responsabilidades familiares. Mandamos chamar as mães e, se alguma vizinha abona que aquela menina ou rapaz substitui a mãe que não pode vir, assim também aviamos.

Os rapazes que vão comigo, normalmente oferecem-se, eu aceito se entender a sua capacidade, rectidão e gentileza. No entanto também peço a alguns mais empedernidos que me venham ajudar nas distribuições aos Pobres. Normalmente, nenhum se recusa, a não ser quem tenha obrigação em Casa. Eles também gostam e o sabor natural que desfruem, faz-lhes bem.

Por Deus, verificamos que esta Obra tem ingredientes educacionais raros, de grande valor humano, e até sobre-humano ou sobrenatural.

Pai Américo intuiu estas maravilhas quando recomendou aos padres da Rua - linguagem do seu tempo — , que ponham os rapazes a distribuir as esmolas aos pobres.

Padre Acílio