PÃO DE VIDA

Do vento que soprou em Fátima

É a 13 de Maio, precisamente, que este jornal vem a lume, em ano jubilar do Centenário das Aparições de Fátima, marcado pela visita feliz de um peregrino especial, o Sucessor de Pedro - o Papa Francisco, cuja presença é iluminada pela Canonização de Francisco e Jacinta, os Pastorinhos de Fátima, que testemunharam um intenso amor à Igreja e especial devoção à Mãe de Jesus para se alcançar a paz no mundo. São dos tais pequeninos, do Evangelho, perdidos numa zona recôndita, em tempos de racionalismo e perseguição anti-cristãos. São acontecimentos que enchem de júbilo a Igreja e particularmente em Portugal. É inquietante como o impacto das notícias do que aconteceu em 1917 se tenha projectado como um fenómeno universal, devido ao alcance da sua mensagem.

De relance, à procura de água cristalina, fomos beber a uma das fontes, pois temos em mãos um opúsculo singelo e raro, intitulado Os acontecimentos de Fátima, do Visconde de Montelo (Padre Manuel Nunes Formigão), datado de Janeiro de 1923, com o Pode imprimir-se do Bispo de Leiria, D. José. No início, reza assim: Na manhã do dia 13 de Maio de 1917 um menino e duas meninas andavam apascentando, como era seu costume, um pequeno rebanho de ovelhas pertencentes a suas famílias, numa propriedade da serra d'Aire situada na freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova d'Ourém, diocese de Leiria./ A mais velha das três crianças, de nome Lúcia de Jesus, contava 10 anos de idade e era filha de António dos Santos, que faleceu no ano seguinte, e de Maria Rosa dos Santos./ O menino e a outra menina, que eram irmãos, chamavam-se Francisco e Jacinta, tendo aquele 9 anos e esta 7 anos de idade. Foram seus pais Manuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus Marto. Eram primos da Lúcia. [...] Aproximava-se naquele dia memorável a hora do meio dia astronómico. Segundo o seu costume, as três crianças [...] puseram-se a rezar o terço do Rosário, devoção muito querida dos habitantes daquela freguesia. Mal tinham acabado de o recitar, quando viram de repente brilhar no espaço, a pequena distância delas, a claridade fulgurante de um relâmpago e aparecer quase simultaneamente, sobre a copa de uma pequena azinheira, um vulto radioso e encantador de mulher, de extraordinária beleza. Mais adiante diz assim: A Aparição recomendou insistentemente que todos fizessem penitência e rezassem o terço do Rosário. Comunicou às crianças um segredo que não podiam revelar a ninguém. Prometeu-lhes o Céu.

Detemo-nos aqui neste relato para sublinhar que, a 13 de Maio de 1922, teve início a investigação canónica desses acontecimentos. E, em 13 de Outubro de 1930, o Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, numa Carta Pastoral sobre o culto de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, escreveu: Havemos por bem 1.º declarar como dignas de crédito as visões das crianças na Cova da Iria, freguesia de Fátima, nos dias 13 de Maio a Outubro de 1917; 2.º permitir oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima. Numa visão cristã, é evidente que foi o povo de Deus que impôs Fátima à Igreja e ao mundo. Contudo, não constitui matéria de fé.

Estes brevíssimos dados servem para rememorar esses episódios maravilhosos, conhecidíssimos, cujo significado histórico foi traduzido por Paul Claudel, de forma lapidar: Fátima é o maior acontecimento religioso da primeira metade do século XX, uma expressão transbordante do sobrenatural neste mundo prisioneiro da matéria. Na verdade, a sua história intercruza-se com acontecimentos marcantes, desde a revolução russa (1917), passando por duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o atentado ao Papa João Paulo II (13 de Maio de 1981) e a queda do muro de Berlim (1989).

Depois deste ligeiro intróito, conforme já anunciámos, decorre que o Padre Américo também não ficou alheio à evidência de Fátima para a Igreja e o mundo. Daí que acabou por aceder ao convite de pregar, no Santuário de Fátima, a 13 de Maio de 1952, a parábola do bom Samaritano, inquieto com o problema cristão do abrigo para pobres, sem casa digna, cuja grave carência habitacional procurou ajudar a debelar com o Património dos Pobres, sob o lema Cada freguesia cuide dos seus pobres. Da coluna que escreveu sobre o seu sermão [O Gaiato, 7-VI-1952], vamos reler e, mais adiante, escutar o essencial das suas palavras proféticas. Ora eis, actualíssimas: Sim senhor. O vento soprou em Fátima no dia 13 de Maio, à missa dos Doentes./ Eu tinha sido superiormente convidado e disse que não até ao último momento. Não sei como nem porquê e estando outro sacerdote pronto para subir, eu apareço e subo ao púlpito! O vento soprou em Fátima.../ Foi uma bomba, e o meu espanto é que o tenha sido, quando a verdade é que eu falei somente das minhas experiências do Pobre, tendo ido buscar ao Evangelho a parábola do bom Samaritano. Tudo tão chão, tudo tão conhecido; diria mesmo tão vulgar, se o Evangelho tivesse vulgaridades. E foi uma bomba! [...] É a Verdade. Cristo Jesus é a Verdade. Anda-se tão afeito à caricatura que quando alguém mostra o Original, causa por isso nas almas uma autêntica revolução! Foi assim naquela hora. E aquela hora não foi minha. Eu não me atrevia. Eu disse que não até à última, mas o vento sopra onde quer...

Como informação, ainda era D. José Bispo da Diocese de Leiria (1920-1957) e Reitor do Santuário de Fátima Mons. Amílcar Martins Fontes.

Continuaremos com essa prática, melhor, oração de Fátima, impelidos pelo vento que sopra onde quer. E, agora, que o Santo Padre vem ao encontro do nosso povo, com matriz cristã, como peregrino de Fátima. A defesa da vida humana, desde a concepção à páscoa, e a promoção da sua dignidade, bem como os últimos e feridos da vida bem precisam do seu alento e da sua voz de Pastor que cuida das ovelhas mais frágeis. Será atrevimento dizer: quando conhecerá o servo de Deus Padre Américo, figura cimeira da Igreja em Portugal no serviço aos pobres e precursor do II Concílio do Vaticano? Bem-vindo, Papa Francisco!

Padre Manuel Mendes