PÃO DE VIDA

De como Américo Monteiro de Aguiar entrou no Seminário de Coimbra

É sobejamente reconhecido que este capítulo da sua biografia tem pano para mangas. Foram tecidas algumas linhas gerais que podem certamente ajudar a conhecer um pouco este tempo vocacional forte na vida de Américo Monteiro de Aguiar.

Tendo encadeado alguns testemunhos credíveis desse tempo, depois consideramos pertinente referir duas afirmações distantes que dizem muito do desfecho do seu processo vocacional no Seminário de Coimbra, radicando evidentemente a fonte do seu chamamento, pois Jesus Cristo é a verdadeira fonte do sacerdócio ministerial. Ora vejamos para reflexão tais incisos testemunhais de dois familiares, dando o devido relevo ao mais próximo. Assim sendo, a sua Mãe, Teresa Ferreira Rodrigues, que soube bem cedo do desejo do seu benjamim, numa carta para o seu filho mais velho, Padre José Monteiro de Aguiar, em Cochim, na Índia inglesa, em 28 de Junho de 1903, escreveu: […] Tenho tido um desgosto que tu não imaginas. Tinha-me dito que queria ser Padre. […]» [O Gaiato, N.º 479, 21 Julho 1962, p. 4]. Estas palavras são um doloroso lamento materno, mas de quem acreditava seriamente na vontade do seu filho Américo. Tinha 15 anos e trabalhava numa loja de ferragens no Porto, com pena de não estudar. Noutra missiva, do seu Tio-Avô Padre Zeferino de Aguiar [8-IX-1835†6-I-1906], padrinho do seu irmão mais velho, em carta a este, datada de 5 de Setembro de 1904, tendo o Américo perto de 17 anos, diz assim: «Noutro dia tive pena do Américo. Lá o vi dentro do balcão… Mas que remédio há senão sujeitar-se: o pano não dá para grandes mangas» [O Gaiato, N.º 482, 1 Set. 1962, p. 4]. De facto, mais tarde, o testemunho da sua Mãe Teresa veio felizmente a confirmar-se e o juízo do Padre Zeferino não…

Retomando o fio da meada, da edição anterior, continuemos com o relato do Padre Euclides de Oliveira Morais, sobre a entrada de Américo Monteiro de Aguiar, em Outubro de 1925: «[…] Era de poucas palavras o Snr. Bispo. Ninguém o estranhava; nem à firmeza e energia com que as dizia. O Américo também não, que eram quase conterrâneos e conhecidos, pelo menos de vista, da cidade do Porto. Acompanhei o Américo ao seu quarto que era na fachada poente (14 ou 16?), tendo de atravessar o coro da Igreja a fim de passar de uma para a outra Prefeitura. Demos com o Cónego Dr. Liberato do Nascimento Tomé, professor do Seminário de Coimbra, embora natural de Lamego, ao chegar ao corredor da 1.ª Prefeitura. Ele logo quis saber quem era e o que fazia o Américo, mas este guardou silêncio e fui eu que dei o recado. Logo o Dr. Liberato mete conversa em inglês. O Américo com a maior das naturalidades foi respondendo. Passado tempo, me dizia o Dr. Liberato: 'o nosso homem sabe da poda!'.Mais tarde, o Snr. D. Manuel Coelho da Silva chamou-me e confidenciou: 'Veio dos Rev.os Padres Franciscanos, por tendências para coisas místicas, o que pouco se coadunava com o teor da vida deles. Isto para seu governo!' (É a primeira vez que esta confidência sai da minha boca e já vão cerca de 35 anos!).

Por algum tempo, andei a aprender inglês com ele. Bom mestre, muito paciente comigo e sempre bem-disposto, apesar dos meus esquecimentos. Depois desisti, que o meu serviço era na Secretaria Episcopal, nem sempre podia estar às horas marcadas e ele perdia tempo.

Mais tarde, quando me encontrava, repetia invariavelmente estas palavras naquela voz descansada e meia presa que todos lhe conhecemos: 'O meu Prefeito! Quando o Sr. D. Manuel Luís Coelho da Silva me foi apresentar a ele, olhei-o de alto-a-baixo e disse para comigo: Até nisto Deus me quer humilhar! O meu chefe era um escocês, alto e forte, de barbas bem tratadas… E agora é um padre baixito, franzino, de tez morena!' Repetiu-me a última vez no mês de Setembro [de 1955] antes de morrer, quando me foi visitar e às Senhoras da Quinta de Coura, em Paredes do Douro [em Bitarães], onde eu estava passando as minhas férias» [O Gaiato, N.º 387, 10 Janeiro 1959, p. 1].

Outro depoimento, de um sacerdote da Diocese de Coimbra, sob o pseudónimo de Manuel do Freixo,reza assim: […] Era prefeito e professor do Seminário de Coimbra, quando um dia, já rapaz de quarenta anos, forte, corado, saudável, veio bater ao portão de bronze daquela casa, o Sr. Américo Monteiro de Aguiar, com trabalhos em Moçambique e Londres. E em todas estas andanças não havia perdido a Fé em que havia sido educado no seio duma família católica das cercanias do Porto.

Mas, alma grande, nobre, de aspirações de natureza diversa das que enchem um coração rastejante, gozador, materialista e carnal, veio ali aportar àquela enseada. Queria dar novos rumos à sua vida. Ordenar-se Sacerdote Católico para valorizar mais a alma própria e dar assim a sua mão a outras almas que porventura encontrasse na futura trajectória da sua vida.

Admitida aquela rica vocação tardia, o Américo estudou Filosofia e o Curso Teológico, pois lhe tomaram em conta os estudos que tinha. […] [O Gaiato, N.º 352, 7 Set. 1957, p. 1].

Na verdade, em 1925-1926, Américo Monteiro de Aguiar frequentou as aulas de Filosofia, sendo Professor o Padre Alírio Gomes de Melo [1894 †1973]. Em 6 de Julho de 1926, foi aprovado com 14 valores. Seguiu-se o quadriénio Teológico, de 1926-1930.

Deixámos assim um esboço de como o Américo Monteiro de Aguiar chegou ao portão de bronze do Seminário de Coimbra em Outubro de 1925 e entrou finalmente no coração dessa Diocese, para seguir o percurso formativo do sacerdócio diocesano. Então, poderia ter dito como o salmista: O Senhor me ensinará o caminho da vida, a seu lado viverei na plenitude da alegria! [cf. Sl 15, 11].

Antes de concluir o Curso Teológico, foi ordenado Presbítero em 28 de Julho de 1929, pelo Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva. Desde esse momento crucial, escolheu uma assinatura muito significativa, que resume o culminar do seu itinerário vocacional no Seminário de Coimbra: Padre Américo!

* Breve nota biográfica do Rev.mo Cónego António Moreira da Rocha, para o resgatar do esquecimento: Nasceu em S. Miguel de Paredes Penafiel, filho de Carlos Moreira da Rocha e Quitéria Baptista Moreira. Admitido no Seminário do Porto em 9-IX-1921, onde entrou a 8-X-1921. Recebeu Ordens Menores em 1929. Foi ordenado Presbítero em 19-IV-1930. Nomeado Prefeito do Seminário de Trancoso, a 8-IX-1930. Professor e Director literário do Seminário de Vilar, a 17-VIII-1937. Vice-Reitor do Seminário de Nossa Senhora do Rosário de Vilar, a 2-X-1946. Reitor do Seminário de Vilar, a 1-X-1956. Conservador-geral dos Arquivos da Diocese do Porto, a 10-I-1959. Foi Cónego da Sé Catedral do Porto. Formou-se em Letras na Universidade de Coimbra. Dedicou-se a estudos históricos sobre as terras de Penafiel. Faleceu na Casa da Lage, em S. Miguel de Paredes, a 25-X-1986. [Fonte: Arq.º Diocesano do Porto, que agradecemos].

Padre Manuel Mendes