PÃO DE VIDA

De como Américo Monteiro de Aguiar entrou no Seminário de Coimbra

Vale bem a pena continuar a tecer mais algumas linhas sobre a admissão de Américo Monteiro de Aguiar no Seminário da Sagrada Família de Coimbra, em 1925. Este 1.º Centenário foi justamente celebrado com a participação de muitos filhos e amigos da Obra da Rua, de dois ilustres conferencistas — Padre Jorge Cunha e Padre João Pedro Bizarro — e do senhor Bispo de Coimbra. A nossa gratidão! Na sua linguagem original e em síntese, mais tarde, Padre Américo resumiu vários capítulos da sua biografia. Estas linhas dizem muito das voltas da sua vida. Eis: «[…] Eu fiz exame de primeiras letras mesmo na pontinha do derradeiro quartel do século XIX. Durante muitos anos, ocupei-me a ver terras e gentes. A seguir, aninhei-me num convento, onde aprendi um tudo-nada de latim. Quando me propunha ficar, os frades deram-me carta de marcha. Bati à porta do então Bispo do Porto. 'Que não; já era velho e vinha do mundo.' Fiquei no de Coimbra, onde os cónegos mai-los doutores da igreja me deixaram passar com pena dos meus anos. […]» [O Gaiato, N.º 17, 15 Out. 1944, p. 2].

O Padre Dr. António Moreira da Rocha, amigo penafidelense e de horas difíceis, com quem desabafou em S. Miguel de Paredes, depois da saída de Vilariño e até tomar novo rumo, anotou assim: «[…] Em Outubro de 1925, separámo-nos, mas tinha-se desenvolvido entre nós uma sólida amizade, que havia de perdurar para sempre. Entrou no Seminário de Coimbra. O nosso diálogo, encetado no Verão de 25, havia de continuar-se epistolarmente. […]» [Revista Penafiel, N.º 1, 1972, p. 42].

O Bispo D. Rafael da Assunção, grande amigo franciscano e seu confidente espiritual em Moçambique, deu um testemunho seguro sobre a sua saída de Vilariño e entrada no Seminário de Coimbra, do qual recortamos este naco: «[…] O Senhor Bispo do Porto, D. António Barbosa Leão, não o quis aceitar. Já tinha recebido outro de idade madura e não tencionava repetir a experiência. D. Manuel Coelho da Silva, embora com fama de rigoroso e muito exigente, recebeu-o no Seminário, com singular recomendação do franciscano P.e Inocêncio do Nascimento, cujas qualidades o Senhor Bispo muito apreciava. […]» [O Gaiato, N.º 333, 8 Dez. 1956, p. 1].

De facto, foi bem recomendado pelo franciscano Padre Inocêncio José do Nascimento Alves, que exerceu a sua actividade apostólica principalmente como pregador e director espiritual. Este virtuoso frade menor nasceu em Tinhela — Valpaços, em 18 de Dezembro de 1877; e faleceu em 5 de Março de 1936, na Fraternidade de S. José [à Rua Silva Carvalho, 34], em Lisboa, com 59 anos [vd. Província Franciscana dos Santos Mártires de Marrocos de Portugal — Memória da Família 2023, Lx.ª: Cúria Provincial, p. 38].

Como Américo Monteiro de Aguiar não abandonou o propósito firme de se consagrar inteiramente ao serviço de Deus e obteve resposta afirmativa do Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, acabou por entrar finalmente no Seminário de Coimbra, à beira dos 38 anos e com coragem para estudar Filosofia [em 1925-1926], com outros seminaristas bem mais novos. Pela mão do Vice-Reitor, Cónego Tomás Fernandes Pinto [1880 †1940], foi registado o seu termo de matrícula, que diz assim: «N.º 262 — Américo Monteiro de Aguiar, de 37 anos, filho legítimo de Ramiro Monteiro d' Aguiar e Teresa Ferreira Rodrigues, natural dos Galegos, concelho de Penafiel, diocese do Porto, tem [tendo] os preparatórios menos filosofia, foi admitido neste Seminário em 3 de Outubro de 1925 como aluno interno pensionista.» [Arq.º Seminário Maior de Coimbra — Livro de Matrículas: Matrícula N.º 262, de 1925, fl. 88 v.º].

Esta admissão no Seminário de Coimbra foi um momento muito importante no seu itinerário vocacional, mas que esteve em risco, tendo em conta um testemunho credível do Padre Dr. Avelino Soares, seu conterrâneo e amigo: «[…] Da boca do mesmo Senhor Bispo [de Coimbra], ouvi eu, no Seminário de Coimbra, estas palavras, que eram já, naquela altura, um precioso testemunho: 'Hesitei em receber este homem e afinal foi uma grande bênção de Deus que caiu sobre a minha Diocese'. […]» ['Fugido de si mesmo', in jornal O Tempo, Penafiel, N.º 12, 9 Julho 1972, p. 1].

Dos momentos de entrada, há um testemunho significativo de um Superior no Seminário de Coimbra — o Padre Euclides de Oliveira Morais: «Estava eu na Prefeitura da 2.ª, dedicada a Santo António de Lisboa, quando certo dia do princípio de Novembro [Outubro], o Snr. Bispo D. Manuel Luís Coelho da Silva me aparece à porta do quarto com um Senhor bem-posto dizendo: 'Aqui tem o Snr. Américo de Aguiar. Vem frequentar o Seminário e para a sua Prefeitura; mas fica ali num dos quartos da 1.ª. Quando se dirigir a si, é preciso atendê-lo'. E voltando-se para ele: 'Este é o seu Prefeito. Quanto necessitar de alguma coisa, vem aqui pedir licença'. Deu-me o Anel a beijar e a ele — e deixou-nos sós.

[Continua]

Padre Manuel Mendes