PÃO DE VIDA

De como Américo Monteiro de Aguiar entrou no Seminário de Coimbra

No itinerário biográfico de Américo Monteiro de Aguiar [1887†1956], eis-nos chegados a outros momentos chave da sua vida, na procura do seu lugar na Igreja Católica. Tendo saído do Convento de Vilariño de la Ramallosa a 6 de Agosto de 1925, continuou com muita perseverança no Caminho da Luz; porém, até dar entrada no Seminário de Coimbra, ainda passou por algum tempo de provação, como confirmam testemunhos disponíveis.

Para esclarecer esses momentos de deserto, mas com confiança no Bom Pastor, transcrevemos informações credíveis de António Moreira da Rocha, de S. Miguel de Paredes – Penafiel, que o encontrou e acompanhou nessa Paróquia no Verão de 1925, vindo de Vilariño, pois Américo de Aguiar tinha-se recolhido em casa do seu irmão Padre José de Aguiar. De facto, Moreira da Rocha estava de férias na sua terra e mais tarde recordou esse tempo difícil para o seu amigo: «[…] Eu havia terminado então o primeiro ano de Filosofia [no Seminário do Porto]. Após ligeiros contactos a princípio, sucederam-se quase três [dois] meses de íntimo e permanente convívio, vividos diariamente em demorados passeios, através dos campos e montes da nossa formosa terra; entretidos por vezes em amena conversa, ora discreteando acerca dos problemas mais sérios da vida – falando de Deus e dos homens. Alegrava-me verificar em todas as suas palavras e atitudes a confirmação daquele elevado conceito, que se me havia formado na mente de auditu, por via indirecta, acerca do seu excepcional valor humano; edificava-me a sua inabalável confiança em Deus e a esperança firme de que tudo Ele havia de encaminhar o melhor possível para a realização do seu ideal sacerdotal. Durante este tempo, fui testemunha de que antigos companheiros e amigos de África lhe batiam à porta no intuito de o convencerem a regressar a Moçambique. Partiam pesarosos por não conseguirem demovê-lo do seu propósito. Debalde também empresas inglesas e alemãs, estabelecidas em Moçambique, teimavam em propor-lhe privilegiada situação económica. Muito mais tarde, tive conhecimento de que durante esses três [dois] meses, escondidamente, ia visitar com frequência uma velhinha cancerosa e um ancião asmático, confortando-os com as suas palavras e esmolas. Contaram-me que tendo sabido estar o pobre Antero do Cruzeiro desprovido de roupa para se embrulhar de noite, pois não conseguia dormir por causa da asma que o afligia, fora dar-lhe, muito em segredo, um pano de alto preço, trazido de África noutros tempos. […]» [Penafiel, N.º 1, 1972, p. 40-41]. Como se verifica, não esmoreceu nele a virtude da Caridade!

Da sua pena, há uma carta para o seu amigo Simão Correia Neves, de 11 de Setembro de 1925, remetida de S. Miguel de Paredes – Correio da Calçada [em Oldrões], em que se confirmam as tentativas para o dissuadir da vida eclesiástica. Ora vejamos: «[…] Álvaro e quejandos têm vindo aqui fazer tudo para me demoverem dos meus intentos, mas as raízes estão muito fundas e tenho a certeza de que Deus me não larga porque o procurei em espírito de muita sinceridade.[…]» [O Gaiato, N.º 426, 9 Julho 1960, p. 1]. Diria como o salmista: «O Senhor está sempre na minha presença, com ele a meu lado não vacilarei.» [Sl 15, 8]. No início desta mesma missiva, revela a possível transição para um Seminário diocesano e dá indicações sobre as suas poupanças, pois o seu amigo Simão trabalhava na casa bancária Blandy Brothers, no Funchal – Madeira [por onde Américo passou em 1923, vindo de Lourenço Marques]. Diz assim: «[…] Sobre esse pecúlio que aí tenho, como venho fazer os estudos cá fora à minha custa, tornaram-me a dar um cheque que em tempos passei no Convento e veja você se pode creditar 4%, porque de tudo preciso pela razão de que muito dei a indigentes, do que aliás não estou nada arrependido e conto dar ainda muito mais, sobretudo se me ordenar Sacerdote secular. […]» [ibidem].

Neste tempo estival e de incerteza vocacional, Américo de Aguiar tencionava ingressar no Seminário do Porto, alegando a questão dos estudos, como escreveu numa carta a Simão Neves:«[…] Quem me dera. Meu caro Simão que estas minhas palavras calem na sua alma e quando vier ao continente falaremos com mais vagar, pois eu vou fazer os meus estudos no Seminário do Porto, para fugir ao Grego e Hebraico a que me obrigam as constituições monásticas.» [O Gaiato, N.º 425, 25 Junho 1960, p. 2].

A tentativa de ser admitido no Seminário do Porto justificava-se, sendo o Seminário da sua Diocese. Porém, tal não veio a acontecer, pois foi indeferido o seu pedido para entrar no Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição, no Porto. Era Reitor do Seminário da Sé, nesse tempo, o Cónego Dr. António Ferreira Pinto [1871†1949]. A razão principal para a não admissão de Américo de Aguiar, já indicada, teve a ver com a sua idade – 37 anos. Era Bispo do Porto D. António Barbosa Leão [1860†1929], oriundo de Parada de Todeia, no concelho de Paredes, vizinha de Paço de Sousa. Mais tarde, Américo de Aguiar referiu-se ao caso, nestes termos: «[…] o senhor Bispo de Coimbra, Dr. Coelho da Silva, naquele dia [28 de Julho de 1929] e num grupo de dez, ordenou um que viria a ser o primeiro padre da rua. foi ele, porquanto o seu contemporâneo do Porto, a quem o mesmo se tinha antes dirigido, disse-lhe na cara que não. É tarde. Não era tarde nem cedo; era a hora. Mas ele não sabia, tão pouco o repudiado. Nós não sabemos nada. As vistas de Deus Eterno acerca de cada homem, não podem ser julgadas nem apreciadas pelos homens. Quem havia de dizer que, sendo tarde, o mal acolhido no Porto, anos depois havia de trazer e plantar no coração da própria cidade as grandes emoções do inédito. Quem havia de dizer, outra vez, que, mesmo rente à sepultura aonde jaz o saudoso Príncipe da Igreja, se haviam de erguer cinco monumentos de pedra e cal, que o tempo vai consagrar à memória do refugado. […] Humildade e verdade são do mesmo ventre. Uma sem a outra não anda. Não era tarde, torno a dizer. Era a hora. Quando Deus chama, não vale a pena recalcitrar. […]». [O Gaiato, N.º 288, 12 Março 1955, p. 1].

Contudo, à terceira foi de vez, pois Américo de Aguiar não desistiu! O seu amigo Moreira da Rocha também testemunhou essas dificuldades, depois ultrapassadas: «[…] Em dada altura, foi com muita mágoa que me falou de terem sido infrutíferas as diligências efectuadas para entrar no Seminário do Porto. Passado pouco tempo, veio comunicar-me, exultante de alegria, que se lhe abriam as portas do Seminário de Coimbra. […]» [Penafiel, N.º 1, 1972, p. 41-42]. O Bispo de Coimbra era D. Manuel Luís Coelho da Silva [1859†1936], natural de S. Miguel de Bustelo, no concelho de Penafiel, pelo que facilitou a aproximação a um sábio Prelado, que não era de facilidades. Como fomos comprovando, foi muito difícil Américo de Aguiar chegar à porta do Seminário da Sagrada Família de Coimbra, perto dos 38 anos. Mas, foi na hora escolhida por Deus – 3 de Outubro de 1925, véspera da memória de S. Francisco de Assis, santo predilecto e a que se referiu amiúde.

Da entrada de Américo Monteiro de Aguiar no Seminário Episcopal de Coimbra, fundado pelo Bispo D. Miguel da Anunciação, e dos seus primeiros momentos no coração da Diocese de Coimbra, carreamos mais notícias, neste Centenário feliz, celebrado com muita gratidão e júbilo!

Padre Manuel Mendes