PÃO DE VIDA

90 anos das Colónias de Férias

No dia 1 de Agosto deste ano da graça de 2025, foi celebrado o 90.º aniversário da primeira Colónia de Férias dos Garotos da Baixa de Coimbra, em S. Pedro de Alva. É uma data muito significativa que deve ser lembrada com sentimentos de gratidão e admiração, pela sua importância na história da Obra da Rua, pois está nos seus caboucos como acontecimento precursor das Casas do Gaiato, desde 1940.

De recordar que, para comemorar o 80.º aniversário das Colónias de Férias, a comunidade da Casa do Gaiato de Miranda do Corvo foi em romagem e celebrou a Eucaristia na igreja paroquial a 2 de Agosto de 2015 [vd. O Gaiato, N.º 1864, 22 Agosto 2015, p. 2]. No Verão deste ano, estando em resolução a maior parte dos pavorosos incêndios em Portugal, que também assolaram a região, mais uma vez nos metemos a caminho por estradas sinuosas para irmos revisitar essa linda terra do concelho de Penacova, por entre montes e vales alcantilados, recortados pelos rios Alva e Mondego. Reza a história local que essa antiga freguesia foi chamada antes de S. Pedro da Farinha Podre, tendo o topónimo mudado para S. Pedro de Alva em 21-II-1889. Fomos assim direitinhos ao sítio da velha casa da Colónia, conforme a tradição oral, na Rua da Palmeira, onde funcionaram durante três anos [1935-1937] Colónias de Férias de campo para garotos das ruas de Coimbra, por iniciativa do Padre Américo. Desta feita, encontrámo-la arruinada, mas com uma figueira frondosa e ainda com a velha escadaria granítica, que registámos. Na casa anexa, onde funcionou uma escola primária, está uma placa de mármore com os dizeres: Aqui Mário da Cunha Brito aprendeu a ler 1897/ AQUI O PADRE AMÉRICO TEVE A VISÃO DA OBRA DA RUA 1935. De facto, foi aí que começou o sonho de Pai Américo acolher e promover rapazes pobres, sem eira nem beira, temporariamente nos primórdios.

Os primeiros passos das Colónias de Férias foram narrados com mestria pelo seu Fundador, em vários escritos, nomeadamente no belo livro Obra da Rua [Coimbra, 1942]. Foi com surpresa e muito interesse que encontrámos em 2007, entre papéis antigos da Casa do Gaiato de Miranda do Corvo, num velho livro para actas, um manuscrito desconhecido e como que secreto, com 6 páginas, onde Pai Américo escreveu uma síntese da vida das Colónias em S. Pedro de Alva [1935-1937], Vila Nova do Ceira [1938-1939] e Miranda do Corvo [1940-1941]. Este resumo histórico foi dado à estampa [vd.
O Gaiato, N.º 1681, 16 Agosto 2008, p. 1,3]; e depois arquivado no Memorial Padre Américo — Obra da Rua, em Paço de Sousa. O seu título é o seguinte: Colónias de Férias dos Garotos da Baixa/ Sua História e sua Vida. Para avivar esta memória antiga, de nove décadas, recortamos desta vez a parte referente a S. Pedro de Alva, que diz assim:

«Na Páscoa de 1935 fui visitar o então Pároco de São Pedro d'Alva, Padre Simões e Sousa, e este levou-me a ver um curso nocturno para rapazes da terra, de leitura e catequese. Era este curso nocturno instalado em um grande casarão desabitado há muitos anos, cujos donos viviam em parte incerta, no Brasil.

Casa ampla e arejada, horizonte vasto, desocupada nos meses de Verão, todos estes predicados levantaram no meu íntimo a esperança e desejo, há muito latentes, de me alojar ali no mês de Agosto, já daquele ano, com umas dúzias de garotos do tugúrio, em Coimbra. Tinha então à minha conta, e frequentava vezes amiúde, uma família no Beco do Moreno, onde havia cinco filhos raquíticos e esfomeados; e estas crianças, assim doentes, foram o rastilho da Obra. Já tinha casa. Soletrei a ideia, a medo, ao Padre Simões e Sousa, aquando daquela visita, e o bom sacerdote animou-me, pôs a casa ao meu dispor e prometeu auxiliar.

O tempo corria. Dentro em breves meses vinha o mês de Agosto; isto era em Abril. Simões e Sousa não cessava de me escrever: — 'que não deixasse arrefecer a ideia' — e logo desatou a pedir mobílias e coisos ao senhor Coimbra, dono da Fábrica Estrela d'Alva, que prometeu fazer nas serrações da sua fábrica todo o mobiliário indispensável. Com brisa tão favorável a soprar do futuro lugar das Colónias, comecei eu em Coimbra a apalpar terreno. Era coisa nova; duvidava-se e tinha-se medo. No Seminário ninguém me afoitava, apenas o Cónego Nogueira me deu cem escudos. Foi a primeira esmola e uma grande bênção. O senhor Bispo, então, D. Manuel L. [Luiz] C. [Coelho] da Silva, deu-me também cem escudos, já com a Colónia a funcionar, mas fê-lo sem entusiasmo. Fora do Seminário o ambiente também era pouco favorável. Não se acreditava que, sem dinheiro, eu pudesse meter ombros a tal empresa. Estando as coisas neste pé, fui ao encontro do então estudante e hoje licenciado Joaquim Anacoreta e expus o meu plano. Apoiou inteiramente e ofereceu-se para conduzir as Colónias.

No dia 1 do mês de Agosto do ano de 1935, largou a primeira caravana de Coimbra, às 11 da manhã, composta de 27 rapazes e três vigilantes. Gastei sete mil escudos e deram-me ofertas no valor de quatro mil e seiscentos escudos, tendo por isso ficado com uma dívida de dois mil e quatrocentos escudos.

Animado com os óptimos resultados, físicos e morais, do primeiro ano, no segundo, de 1936, conduzi um maior número de rapazes para o mesmo ponto, agora com melhor organização. O povo de Coimbra já não tinha medo. As esmolas já vinham mais abundantes. O Seminário viu mais claro e deu-me dois ordinandos para ajudar. Trouxe 53 colonos. […]». A história resumida das Colónias de Férias continua a ser narrada, sobre a presença em Vila Nova do Ceira e em Miranda do Corvo.

Entre outros intervenientes e amigos, que colaboraram e ajudaram as Colónias de Férias, é muito justo salientar nestas notas históricas um dos referidos sacerdotes que animou Padre Américo, nesse tempo difícil para ideias novas e de muitas carências, escrevendo-lhe assim: que não deixasse arrefecer a ideia… Trata-se do Padre José Augusto Ferreira Simões e Sousa, da Diocese de Coimbra. Na Cúria Episcopal de Coimbra, verificámos [o que agradecemos] que foi Pároco de S. Pedro de Alva de 4-VIII-1930 a 17-XI-1936, conforme lemos [p. 288] num grande e velho cartapácio, iniciado em 1907 ecom este título na lombada: Registo de Cartas de Encomendação. Depois, por mais informações e orações, seguimos para o cemitério da freguesia de Murtede, no concelho de Cantanhede, onde foi sepultado no lado direito. Na sua campa, coberta com mármore, foi gravada uma inscrição que reza assim: SOB ESTA PEDRA ESTÃO OS RESTOS MORTAIS DE/ P.E JOSÉ AUGUSTO QUE FOI PÁROCO DE MURTEDE/ DESDE 5 DE AGOSTO DE 1945 ATÉ 3 DE OUTUBRO DE 1976/ NASCEU NO LUGAR ENXOFÃES EM 31 DE DEZEMBRO DE 1905/ E FALECEU EM 13 DE DEZEMBRO DE 1982/ PEDE-SE A CARIDADE DUMA ORAÇÃO PELA SUA ALMA. Que descanse em paz! Desta vez, foi possível conhecer alguns familiares e ver fotografias suas e livros deixados, numa casa onde viveu em Enxofães.

O percurso geográfico e espiritual empreendido de S. Pedro de Alva até Murtede, bem como esta breve memória são uma simples e sentida obrigação no 90.º aniversário das primeiras Colónias de Férias do Garoto da Baixa de Coimbra, como lembrança muito grata dos precursores de um sonho cristão e eclesial que continua a ser realidade no serviço aos pobres — a Obra da Rua ou Obra do Padre Américo — pois a ideia não arrefeceu!…

Padre Manuel Mendes