
PÃO DE VIDA
A excelência do cristianismo
Cumprindo a promessa de continuação do tema em epígrafe, segue-se mais um naco da carta de Américo Monteiro de Aguiar ao seu irmão Jaime, que precede o seu dito exercício sobre a relação entre o Cristianismo e o Islamismo, apresentado no seu 1.º ano de Teologia, no Seminário Episcopal de Coimbra, cujos documentos datam de 1927 e são de facto inéditos. Continuamos, pois, a transcrever parte dessa interessante missiva, em sequência, e na qual deixou alguns argumentos simples da excelência do Cristianismo, referindo a propósito pensadores e cientistas ilustres e figuras portuguesas. Eis:
«[…] Em primeiro lugar, é preciso fazer justiça aos grandes pensadores da Enciclopédia: homens de grande engenho, justamente porque o foram, é que as suas ideias espalhadas de boa ou má-fé e em idênticas circunstâncias recebidas, se deflagraram com tanta facilidade. Em segundo lugar, há que notar que a verdade dos princípios não se encontra tanto numa inteligência engenhosa como num espírito equilibrado. Feita esta pequena destrinça, já nós compreendemos porque é que contemporâneos dos enciclopedistas — Newton, Volta, Ampère, Pasteur, etc., etc. — nunca aceitaram as filosofias filosóficas deles. E actualizando estes factos que a história dos tempos vai sempre registando, apresento-te um enciclopedista e um conservador dos nossos dias: Afonso Costa e Gomes Teixeira. O primeiro mostra as suas teorias na declaração que fez de que dentro de 3 gerações Deus seria expulso de Portugal e nas leis inteligentes e lógicas que promulgou com esse fim. Mas como as leis do espírito são de tal forma que a razão pura não sabe dar razão delas, sucedeu que ainda na geração dele a vida religiosa de Portugal regista um facto de extrema vitalidade: um Concílio Plenário em Lisboa com 23 Prelados e assistência do Governo, como disseram as gazetas. Mostra as suas teorias, dizia eu. O segundo mostra a verdade no seu livro recente, cuja leitura te aconselho veementemente — Santuários de Montanha (descrição dos seus passeios aos Alpes, Pirenéus, Monte Branco), nunca esquecendo, enquanto lês que o autor é o primeiro matemático do mundo!
Vamos então inferir que um é mais inteligente do que o outro? De maneira nenhuma. A questão está no que atrás digo: trata-se de equilíbrio ou desequilíbrio dos grandes espíritos. Todas as vezes que os homens tenham de conquistar a verdade com ideias subjectivas, fora dos princípios assentes erram. Nós somos essencialmente dependentes; temos que nos sujeitar ao que encontramos. Assim como o mundo físico é regulado por forças que o homem não pode alterar, assim também nós somos regidos por certas leis superiores à nossa personalidade. Vamos então dizer que Afonso Costa não viu ainda o fiasco como nós outros vemos? Já viu, mas é que custa muito dar a mão à palmatória.
Não duvides, Jaime. Os nossos homens de [1]910 já viram o grande fiasco. Já reconheceram a sua grande dependência dum não sei que habita no âmago da sua natureza. Manifestando-se nas leis da matéria e do espírito. Mistério![…]».
Temos de fazer aqui uma paragem, até para dar algumas informações, pois há aí panos para mangas, em vários domínios. Américo de Aguiar refere-se aos Enciclopedistas como grandes pensadores. O Enciclopedismo foi um movimento de carácter cultural e filosófico, ocorrido em França, na segunda metade do século XVIII, no contexto do Iluminismo. Mais de uma centena de membros, de uma sociedade de escritores franceses — Société des gens de lettres, colaboraram na Encyclopédie ou Dictionair raisonné des sciences, des arts et des métiers [28 vols., Paris, 1751-1772], dirigida por Denis Diderot e Jean le Rond D'Alembert. Por outro lado, Américo de Aguiar faz o elogio de outros pensadores — cientistas célebres pelas suas descobertas, v.g.: Isaac Newton [1643†1727], Alessandro Volta [1745†1827]; e André-Marie Ampère [1775†1836] e Louis Pasteur [1822†1895] — cuja fé católica é conhecida.
Como exemplos portugueses e do seu tempo, fez referência a duas figuras, que contrapõe: Afonso Augusto da Costa [1871–1937], político republicano, muito discutido, e Francisco Gomes Teixeira [1851†1933], grande matemático. Depois da implantação da República [em 5-10-1910], na actividade legislativa do Governo, sendo Afonso Costa Ministro da Justiça, houve decretos persecutórios contra a Igreja, v.g: foi determinada a expulsão dos religiosos de Portugal e a confiscação dos bens eclesiásticos [8-10-1910], a supressão do ensino da Doutrina Cristã [22-10] e a anulação das matrículas no 1.º ano da Faculdade de Teologia de Coimbra [23-10], a separação do Estado da Igreja [20-4-1911] [vd. João Medina, dir. — História Contemporânea de Portugal — Primeira República, T. I,Camarate: Multilar, 1990]; A. Jesus Ramos — A Igreja e a I República — A reacção católica em Portugal às leis persecutórias de 1910-1911, sep. Didaskalia, vol. XIII (1983), p. 251-302]. Sobre a célebre afirmação de Afonso Costa — referida por Américo de Aguiar — de facto, num discurso no Grémio Lusitano, em 21-3-1911, a propósito da Lei da Separação, disse: «[…] a acção da medida será tão salutar que em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo, que foi a maior causa da desgraçada situação em que caiu.» [vd. O Tempo, n.º 12, 27.3.1911, p. 2; e O Dia, Lx.ª, ano 21, n.º 46, 29.3.1911, p. 1]. Na verdade, Afonso Costa enganou-se, pois as medidas persecutórias anti-católicas legisladas tornaram-se contraproducentes. Gomes Teixeira foi um eminente professor católico, que se licenciou [1875] e doutorou na Universidade de Coimbra, onde leccionou. Depois, foi lente na Academia Politécnica do Porto e seu director, e ainda Reitor da Universidade do Porto [1911-1918]. No seu livro Santuários de Montanha (Impressões de viagens) [Lx.ª: Liv. Clássica Ed., 1926, p. 236], escreveu que a Religião é «a base mais sólida da felicidade humana».
O Concílio Plenário Português foi convocado pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo, e realizado de 24 de Novembro a 3 de Dezembro de 1926, estando presente a maioria do Episcopado, mais Teólogos e Consultores. Neste Concílio, a Igreja Católica estabeleceu um programa de revitalização da sua presença em Portugal [vd. Concílio Plenário Português (MCMXXVI) — Pastoral Colectiva, Decretos, Apêndice (Documentos), ed. portuguesa oficial, Lx.ª: União Gráfica, 1926].
[continua]
Padre Manuel Mendes