
PÃO DE VIDA
A excelência do cristianismo
Já lá vão três décadas quando, numa casa de parentes do Padre Américo, em Paço de Sousa, tivemos acesso a uma cópia autêntica de um trabalho apresentado por Américo Monteiro de Aguiar, como aluno do Seminário Maior de Coimbra. Nas nossas investigações americanas, entre outros, este foi um momento raro, pela descoberta de um texto inédito com significado pessoal, que alude a um tempo de racionalismo [crise de fé?], e sobre um tema interessante e actual no diálogo inter-religioso — o Islamismo.
Para que não se perca, na voragem do tempo e entre tantos papéis, como memória futura, não deve continuar apenas arquivado, mas vai ser dado a conhecer aos devotos do Venerável Padre Américo, como mais uma achega para a sua Biografia, cerca de um século depois e sem anacronismo. Importa, pois, apresentar e contextualizar este precioso documento, com ligeiros comentários. Assim, consta de sete folhas dactilografadas, sendo composto de uma carta ao seu irmão Jaime Monteiro de Aguiar [22-VII-1879 †14-V-1954], que ocupa três páginas [e mais quatro linhas], seguida do tal exercício intitulado de A Excelência do Christianismo sobre o Islamismo, com quatro páginas. Era aluno do 1.º ano de Teologia, no Seminário Episcopal de Coimbra. A carta antecedente é datada de Junho de 1927 e o exercício escrito tem data de Março de 1927, em Coimbra.
Para não ocupar excessivas colunas deste famoso periódico, em que Deus e os pobres têm primazia, permitam-nos os nossos prezados e pacientes leitores que os convidemos a meditar numa sequência de vários artigos, cuja primeira parte será transcrita infra [na grafia do anterior acordo ortográfico]. No documento em causa vem uma missiva de apresentação, que diz muito do itinerário vocacional de Américo Monteiro de Aguiar e dos seus conhecimentos adquiridos, nomeadamente filosóficos, cuja clareza e solidez de pensamento não deixam dúvidas. Por outro lado, tendo [re]encontrado finalmente o Caminho da Luz, Américo Aguiar mostrou-se muito interessado em ajudar a conduzir o seu irmão Jaime Aguiar à prática da fé cristã, que a fratria recebeu dos Pais numa infância feliz, na Casa do Bairro, em Galegos — Penafiel, nos finais do século XIX.
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[Carta de Américo Monteiro de Aguiar para o seu irmão Jaime]
«Jaime
Coube-me um pequeno exercício sobre Islamismo e Cristianismo, a entregar nos exames, e resolvi tirar cópia para ti, com o intuito de procurar instruir-te num problema que se me afigura ser de máxima utilidade, qual é o da sã filosofia da Vida.
Estou sem dúvida em magníficas condições de te auxiliar nas naturais dificuldades de espírito, porque sei o que pensas e como pensas, por haver também outrora pensado como tu.
Tu e eu fomos orientados nas doutrinas daquela plêiade de homens sem dúvida ilustres que a história consigna sob o nome de Enciclopedistas, Collins, Hobbes, Rousseau, Voltaire, Renan, etc., etc., cujo fim era o de explicar os mistérios da vida e do universo à luz clara da razão, daí os Racionalistas, e a verdade é que com estes princípios e ideias edificaram uma filosofia que os homens sinceramente abraçam, pois pelo menos em teoria, vem libertá-los daquele eterno estado de dependência e inquietação que todos eles, pelo simples facto de existirem, experimentam. O homem aparece pois no mundo devido a um mero acaso; produto da evolução da matéria, ele é um simples átomo dela que se desprende nos espaços e foi chamado à vida não para outro fim senão o de prestar o seu concurso à harmonia do Cosmos; simples animal sem diferença específica dos outros nem finalidade determinada, entrará como eles, após a morte, na circulação universal da matéria. O homem assim concebido, se quiser vencer a vida deve ver um inimigo no outro homem; tem por obrigação viver e cuidar só de si; não se deve importar tanto com os deveres como com os seus direitos e como na humanidade não há traços de união além da mera conveniência e utilidade, ele nada tem que ver com os outros quando se trata dos seus interesses. Não pode ser outra a lógica, tirada de tais princípios. […]».
Padre Manuel Mendes