
PÃO DE VIDA
Do Papa Francisco e os Pobres
«Ah! Como gostaria de uma Igreja pobre para os pobres!».
Papa Francisco
Na segunda-feira de Páscoa deste Ano Jubilar 2025, centrado na «esperança que não engana» [Rm 5, 5], o Papa que veio do fim do mundo «passou deste mundo para o Pai» [cf. Jo 13, 1]. A páscoa do Papa Francisco, aos 88 anos, foi anunciada ao mundo pelo Cardeal Kevin Farrell: «Queridos irmãos e irmãs, com profunda dor devo anunciar a morte do nosso Santo Padre Francisco. Às 7h 35 desta manhã[21 de Abril], o Bispo de Roma, Francisco, regressou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da sua Igreja. Ensinou-nos a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão pelo seu exemplo de verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, entregamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Uno e Trino.». Em 26 de Abril, foi sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, de acordo com o seu Testamento espiritual: «O sepulcro deve ser de terra, simples, sem decoração especial e com a única inscrição: FRANCISCUS.» [29.VI.2022]. No Dia de Páscoa ainda foi à varanda central da Basílica de S. Pedro, no Vaticano, para dizer: Caros irmãos e irmãs, boa Páscoa! Na última homilia, escreveu: «Cristo ressuscitou, está vivo! […] Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lO na vida, procurá-lO no rosto dos irmãos, procurá-lO no dia-a-dia, procurá-lO em todo o lado, excepto naquele túmulo».Na verdade, o cerne do seu pensamento resumiu-o assim: […] reconhecer na pessoa sofredora a carne de Cristo» [9.XI.2013].
O Cardeal Jorge Mario Bergoglio, sendo Cardeal e Arcebispo de Buenos Aires — onde nasceu em 17.XII.1936 — foi eleito Papa em 13 de Março de 2013, com 76 anos, e escolheu o nome do Pobre de Assis, conforme confidenciou: «[…] Tinha ao meu lado o cardeal Hummes, um franciscano brasileiro. Quando fui eleito, ele abraçou-me e disse: 'Não vos esqueçais dos pobres'. E eu repeti interiormente: 'Os pobres, os pobres…'. Foi então que surgiu o nome Francisco, il Poverello.» [Dos Pobres para o Papa, do Papa para o mundo — Diálogo, Coimbra: Minotauro, 2024, p. 27; Francisco — Esperança: A Autobiografia, Lx.a: Nascente, 2025, p. 229]. Não foi residir na Casa Pontifícia, mas na Casa de Santa Marta, confidenciando: «Estou bem em Santa Marta, pois estou junto das pessoas» [Autobiografia, p. 235]. Ao lembrar gratamente o Padre que o confessou em 21 de Setembro de 1953, dia de S. Mateus, e que o guiou e o ajudou, sobre a sua divisa,disse: Jesus escolheu Mateus «miserando atque elegendo, por outras palavras, que o elegeu com misericórdia, com um olhar de misericórdia. É assim que eu próprio me sinto, nesta misericórdia que me acompanha sempre, graças a Deus.» [Dos Pobres para o Papa, 35]. Na autoria dos documentos papais, simplesmente: Francisco — Bispo de Roma — Servo dos servos de Deus.
A opção por uma Igreja pobre tem um fundamento cristológico: Jesus veio para anunciar o Evangelho aos pobres [cf. Lc 4, 18] e na primeira bem-aventurança do Sermão da Montanha é dito: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» [Mt 5, 3; cf. Lc 6, 20]. Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium [EG — A Alegria do Evangelho], sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual [24.IX.2013], o Papa Francisco salientou: «a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma 'forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja'. Como ensinava Bento XVI, esta opção 'está implícita na fé cristológica n'Aquele Deus que Se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a Sua Pobreza' [cf. 2 Cor 8, 9]. Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar.» [n. 198]. De facto, «ser pobre diante de Deus significa pôr a esperança não na riqueza terrena, mas só em Deus» [Walter Kasper — Papa Francisco: A revolução da misericórdia e do amor, Prior Velho: Paulinas, 2015, p. 95].
Pouco antes do final do II Concílio do Vaticano, a 16 de Novembro de 1965, nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma, quarenta Bispos [a que se juntaram depois outros quinhentos], assinaram o Pacto das Catacumbas,'por uma Igreja serva e pobre'. Sublinharam essa necessidade urgente, entre muitos outros cristãos, v.g. os teólogos: Dietrich Bonhoeffer [1906†1945], luterano; Yves Congar [1904†1995] — Pour une Église servante e pauvre, Paris: Cerf, 1963; etc.
O Papa Francisco insere-se numa longa tradição da Igreja, de opção preferencial pelos pobres e por uma Igreja pobre. Continuou no caminho da Doutrina Social da Igreja e na mesma linha do seu predecessor, Papa Bento XVI, que sublinhou: «Em primeiro lugar a justiça. […] A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é 'meu' […]» [Encíclica Caritas in veritate, 2009, n. 6].
Na sua perspectiva, a Igreja deve sair para as periferias e para novos ambientes socioculturais [EG, n. 30]. No desafio da pobreza mundial, em pano de fundo está o escândalo clamoroso da miséria em várias zonas da Terra, sobretudo no hemisfério sul, com muitos conflitos dolorosos. Numa economia de exclusão, da indiferença e do descartável, em que há milhões de seres humanos explorados e considerados como lixo [EG, n. 53], o Papa Francisco levantou a sua voz e chamou a atenção para os gritos dos pobres, a socorrer depressa [EG, n.187]. A crise social é uma crise antropológica, em que o dinheiro se tornou num ídolo — mamon [EG, n. 55]. Exige-se uma cultura da vida e da partilha [EG, n. 57], citando S. João Crisóstomo: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bem que aferrolhamos» [in Lazarum, II, 6: PG 48, 992D]. !
Padre Manuel Mendes