
PÃO DE VIDA
Dois Peregrinos da Esperança
Manifestou-se uma surpresa interessante, a notícia inédita de um encontro significativo de Américo Monteiro de Aguiar com o Padre Albano Alves, em Nine, há 100 anos, em 7 de Agosto de 1925, com base no seu diário, a seguir à sua despedida do Convento Franciscano de Vilariño de la Ramallosa — Tuy, na Galiza. O Padre Albano escreveu que ficou surpreendido com a chegada do seu bom amigo Américo de Aguiar no comboio proveniente de Valença. E seguiram juntos até Ermesinde. Padre Albano foi para o Porto e Américo de Aguiar certamente partiu para a estação de Cête, mais próxima da sua terra natal.
De notar que, anteriormente, o Padre Ambrósio acompanhou o Padre Albano até à estação, em Braga, de partida para o Porto. Este franciscano amigo era, de facto, o Padre Manuel Alves Correia, que nasceu a [6-IX]-1881, em Aguiar de Sousa — Paredes, e faleceu a 23-XI-1948, em Lisboa. A propósito, foi este sábio frade franciscano [vd. Alexandre dos Santos, O.F.M. — 'O franciscano Padre Américo', in Alma, N.º 21, Set. 1956, p. 3-4] que recebeu Américo de Aguiar quando este foi a Tuy em Setembro de 1923, angustiado vocacionalmente: «Em Setembro falo com o Provincial e fico dois dias em Tuy. O que ali sofri não se pode explicar. Assaltava-me a ideia de que estava doido e por doidos tomei todos os frades, quando os vi na Capela prostrados, a orar. Para quê, e a quem, perguntava-me eu!» [O Gaiato, N.º 417, 5 Março 1960, p. 8].
Depois da saída do Convento de Vilariño, em 6 de Agosto de 1925, que com grande mágoa sua foi aconselhado a desistir, e daquela viagem desde Tuy, Américo de Aguiar dirigiu-se então para a casa de seu irmão Padre José Monteiro de Aguiar, então Pároco em S. Miguel de Paredes — Penafiel, depois de ter sido missionário no Oriente, em Cochim, e sábio historiador penafidelense. Este sacerdote confidenciou a António Moreira da Rocha «da profunda emoção de que vinha possuído o Américo ao entrar em sua casa despedido do convento — tal era o desfalecimento que a sós no quarto irrompera em copioso pranto» [revista Penafiel, N.º 1, 1972, p. 40]. Na verdade, chegou aí «desfalecido, desorientado com tal decisão imposta pelo Guardião» [O Gaiato, N.º 326, 1 Set. 1956, p. 2].
Aquela rica página ajuda assim a esclarecer a vocação franciscana de Américo Monteiro de Aguiar, a que se manteve sempre bem apegado, conforme testemunho do Padre Albano Alves, pois ficou persuadido que tinha vocação e que teria sido melhor admiti-lo à profissão simples… Tal, porém, não aconteceu. E, mais: depois de ser ordenado Presbítero em Coimbra, pediu por duas vezes a admissão na Ordem dos Frades Menores franciscanos e foi readmitido pelo Definitório, em 29-XII-1929 e 11-IX-1931, o que não se concretizou. Na verdade, o Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís, que o recebeu e ordenou, não o largou, tendo-o enviado a cuidar dos Pobres.
Apesar de tudo, o caminho vocacional de Américo Monteiro de Aguiar, embora marcado por evidentes sofrimentos, foi afinal de perseverança e esperança, como se verificou. Cem anos depois, recordando aquele encontro, é de citar a Bula de proclamação do Grande Jubileu ordinário do ano 2025: «em tais situações, através da escuridão, vislumbra-se uma luz: descobre-se que a evangelização é sustentada pela força que brota da cruz e da ressurreição» [Papa Francisco, Spes non confundit — A esperança não engana, 9-V-2024, n. 4]. Fica assim registado tal esclarecimento, com um belo testemunho de amizade entre dois peregrinos da esperança — Padre Américo e Padre Albano Alves. Seguiram geograficamente itinerários opostos, mas tiveram uma devoção comum — S. Francisco de Assis; pois, foi a acção dos frades menores em Moçambique que ajudou a [re]abrir o Caminho da Luz de Américo de Aguiar, deixando em 1923 a costa oriental de África, onde aportou em 1925 o seu antigo mestre de Latim.
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Notas biográficas do Padre Albano Emílio Alves: Nasceu em [21 de Janeiro] de 1886, em Mós — Vila Verde. Nesta povoação, fez o ensino primário; e, em 9-IX-1898, entrou no Colégio seráfico de Montariol — Braga [matr.ª 94]. Tomou hábito em Setembro de 1901 e fez a profissão temporária em 4-X1902. A profissão solene foi a 13-I-1907, em Braga, onde frequentou Teologia. Em Maio de 1908, num período de turbulência política — devido ao Regicídio, em 1-II-1908, do Rei D. Carlos e do Príncipe Filipe — encontrava-se em Montariol a coordenar o Almanaque de Santo António 1909. Depois, sendo Diácono, foi enviado para Roma continuar estudos de Teologia, na área da Bíblia, que não concluiu por doença. Em 27-III-1910, foi ordenado Presbítero. Considerando as medidas persecutórias com a implantação da República, em 5-X-!910, permaneceu em Génova, onde foi chamado, em 1912, a leccionar Sagrada Escritura, além de Grego, Latim e Francês. Em 1917, regressou de Itália, seguindo para o Colégio seráfico de Tuy, na Galiza, onde foi professor e exerceu outros serviços [vd. P. Henrique Pinto Rema — 'Padre Albano Emílio Alves, OFM', in Itinerarium, vol. 45, n.º 164, 1999, p. 249-266]. Em 1925, foi missionar para Moçambique durante 31 anos, contínuos, sendo que 28 deles na Chupanga (Zambézia), cuja missão dotou de várias construções. Na missão de Chupanga foi erguido um busto em sua memória [vd. P. Fernando Félix Lopes — Missões Franciscanas em Moçambique 1898-1970, Braga, 1972, p. 617; carta de 28-12-1934, no Arquivo Histórico de Marinha, Lx.ª]. É autor de: Pequeno Catecismo de Doutrina Cristã em Português — Chisena, Beira; Noções Gramaticais da Língua Chisena, Braga: Tip. Missões Franciscanas; Dicionário Português — Chisena e Chisena — Português, Lx.ª: Casa Portuguesa,1939; Biblia ia Ana [tradução para Chisena da Bíblia da Infância, do Dr. J. Ecker], Braga; Maphembero a Akristao Aromano [livrinho de orações em Chisena], Braga.Em Março de 1956, foi acolhido no Hospital da Beira, devido a um tumor; e, em Maio de 1956, foi recebido no Hospital da Ordem Terceira a Jesus, em Lisboa, onde faleceu em 15 de Julho de 1956 [véspera da morte do Padre Américo], sendo sepultado nesta cidade.
Obs.: A Memória da Família 2023, da Província Franciscana dos Santos Mártires de Marrocos de Portugal, aponta datas divergentes de nascimento dos frades franciscanos supra: Albano Emílio Alves — 21 Nov. 1886; Manuel Alves Correia — 20 Dez. 1881.
Padre Manuel Mendes