PÃO DE VIDA

Dois Peregrinos da Esperança

Neste Ano Jubilar e no feliz 81.º aniversário d'O GAIATO, tem justo merecimento uma lembrança histórica sobre um encontro interessante, há 100 anos, de dois peregrinos da esperança — o Padre Albano Emílio Alves, O.F.M., e Américo Monteiro de Aguiar — que entre 1923 e 1925 continuava com paciência e esperança à procura do seu lugar de serviço na Igreja Católica, chamado por Deus. Esse foi um tempo muito decisivo no seu itinerário vocacional, que importa ir clarificando. De facto, seguiu na linha de S. Paulo: «Gloriamo-nos também das tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência, a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança.» [Rm 5, 3-4].

A notícia deste encontro casual, num dia difícil para Américo de Aguiar, veio a propósito de uma conversa com o sábio amigo Padre António de Sousa Araújo, O.F.M., no Convento Franciscano de Montariol, por ocasião de uma deslocação a esse emblemático sítio franciscano — no qual conhecemos o Padre José David Antunes, O.F.M. [1916†2018], venerando frade franciscano, amigo de Padre Américo em Coimbra. É de notar que aquele historiador franciscano nos deu conta de um manuscrito inédito, à guarda da Província Portuguesa da Ordem dos Frades Menores, da autoria do Padre Albano Alves, em que Américo de Aguiar é referido explicitamente. Recuperado este material arquivístico, ficou de nos dar notícias até que veio a publicá-lo na conceituada revista dos Franciscanos de Portugal, sob o título: 'Albano Emílio Alves, OFM — Os seus dois primeiros anos de missionário em Moçambique (1925-1927)' [Itinerarium Ano LXIX, n.º 230, Julho — Dez. 2023, p. 595-616].

O Bispo D. Rafael da Assunção [1874 †1959], que foi Pároco da Beira e Prelado de Moçambique, tendo sido um importante confidente espiritual, num testemunho seguro sobre Padre Américo, escreveu que, em Outubro de 1923: «Ninguém sabia do Américo. Em Lourenço Marques bordaram-se versões, que não passavam de romances. Uns consideravam-no na Austrália e outros na Inglaterra, mas todos se enganavam. O Américo tinha atravessado a fronteira e entrado no colégio franciscano de Tuy [Vilariño de la Ramallosa], onde estudava latim. Foi seu professor o P. Albano Alves, abalizado latinista, que já em Itália havia ensinado esta língua. Não deixaram de ser bons amigos e, coincidência singular, a morte levou o P. Albano na véspera do dia em que faleceu o Padre Américo, depois de este o ter visitado, no hospital de Jesus, em Lisboa, No intervalo de poucas horas ambos voaram ao Céu.» [O Gaiato, N.º 332, 24 Nov. 1956, p. 2].

Dos seus estudos no Convento franciscano, duas décadas depois, Padre Américo escreveu telegraficamente assim: «aninhei-me num convento, onde aprendi um todo-nada de latim» [O Gaiato, n.º 17, 15 Out. 1944, p. 2]. Contudo, o seu mestre de Latim bem pode orgulhar-se, no Céu, do seu antigo aluno; pois, afinal,Padre Américo veio a afirmar-se comoum grande jornalista e escritor católico e português, no século XX.

A significativa página referente a Américo de Aguiar, no seu livro de ocorrências em Moçambique, que designou Em terras de África, de 26-IX-1925 até 22-XI-1927 [caderno de 16,5X11,5 cm, com 22 fls.], não é despicienda e vem como recordação inicial da sua saída e viagem de Tuy, em 5 de Agosto de 1925, até ao embarque em 1-IX-!925 e desembarque a 26-IX-1925, em Lourenço Marques. Eis: «[…] Viagem desde Tuy a Lourenço Marques ALBANO EMÍLIO ALVES/ 5 Agosto 1925 — Saída de Tuy, sendo e estando presentes, Provincial P. Teófilo. […] — Cheguei neste mesmo dia a Braga./ 6. — Visita a Montariol, em ruínas, com o P. Eusébio./ 7. — Despedida de meus irmãos Manuel, José e António e cunhada Glória. Os quais conduzi de passeio ao Bom Jesus do Monte. Nesse mesmo dia, à noite, partida para o Porto: Acompanhou-me muito gen [p. 2]// tilmente até à estação o R. P. Ambrósio Correia, que me ofereceu como lembrança o Guia de Portugal [1.º vol., único publicado, 50$00]. Não é a única vez que este bom colega me confunde com os seus favores, aliás imerecidos./ Em Nine surpreendeu-me com a sua chegada no comboio proveniente de Valença o meu bom amigoAmérico de Aguiar, que com grande mágoa sua foi aconselhado a desistir, sendo noviço no nosso Noviciado de Vilariño. Seguimos juntos até Ermesinde. Fiquei persuadido que tinha vocação e que teria sido melhor admiti-lo à profissão simples, que afinal é a continuação do Noviciado./ Fiquei esse dia no Porto, Rua dos Bragas — Capela dos Anjos, onde era Superior o P. Alfredo Rodrigues. […]» [Araújo — Albano Emílio Alves, p. 601-602].

Padre Manuel Mendes

[Continua]