PÃO DE VIDA

Ainda da Casa de Repouso do Gaiato Pobre

Continuando com esta memória agradecida dos primeiros tempos e cabouqueiros da Obra da Rua, vamos apresentar mais informações para a sua história das origens, apoiado em papéis antigos e em belíssimas páginas que Pai Américo deixou aos vindouros, como os parágrafos seguintes, em que afirma a razão de ser da Casa do Gaiato, no evoluir da experiência de vida das Colónias de Férias, no campo — em S. Pedro de Alva e Vila Nova do Ceira. Eis:

«Surgia, porém, uma dificuldade de ordem moral, que se tornava necessário remediar: — os garotos pediam para ficar mais tempo, que a gente em casa, passamos fome; os pais escreviam a pedir aos Dirigentes que deixassem ficar seus filhos por mais algum tempo, que a gente agora não ganha; e, finalmente, mesmo sem pedidos nem cartas, via-se perfeitamente a necessidade de prolongar o estágio a certos deles, cujo estado de fraqueza era evidente.

Urgia, pois, arranjar casa própria com organização permanente, na qual se pudesse amparar por tempo indeterminado, o pequeno do tugúrio; — e assim se fez.

Adquiriu-se uma casa de habitação, dentro de uma pequenina quinta, a trinta quilómetros da cidade de Coimbra, com horizontes rasgados e banhada de sol todo o dia; à qual se chama, para ficar a ser — Casa de repouso do Gaiato Pobre.» [Casa de Repouso do Gaiato Pobre, Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1941, p. 7-8].

Neste sentido, carreámos mais alguns documentos inéditos sobre o património desta Casa nos primórdios, cuja aquisição foi muito suada, sendo bem necessária para alargar os espaços de actividade da comunidade nascente. Na sequência do requerimento transcrito anteriormente, anexa vem uma Certidão, numerada no canto superior como fl. 52, e que diz assim:

«Eduardo Luiz Loup, chefe da Secção de Finanças do concelho de Miranda do Corvo:

Certifico que examinando os vários elementos arquivados nesta Secção e respeitantes ao imposto de sisa sobre a transmissão de imobiliários por título oneroso verifiquei que por despacho de Sua Excelência o Sub-secretário de Estado das Finanças, de vinte e sete de Janeiro findo, comunicado a esta Secção em ofício número novecentos e quinze, de vinte e nove do mesmo mês, da Direcção de Finanças de Coimbra, foi concedida à instituição denominada "Casa de Repouso do Gaiato Pobre", isenção nos termos da alínea c) do artigo cento e quatorze do decreto número dezasseis mil setecentos e trinta e um, de treze de Abril de mil novecentos e vinte e nove, pela compra que fez à "Sociedade Instrutiva Ozanam", dos oito prédios descritos confrontados e identificados no requerimento que antecede.

Por ser verdade e para constar passei a presente que vou assinar e autenticar com o selo branco desta Secção.

Secção de Finanças do concelho de Miranda do Corvo, sete de Março de mil novecentos e quarenta e dois. E eu, Eduardo Luiz Loup, chefe de Secção de Finanças, a subscrevi.

Eduardo Luiz Loup [assinado pelo pp.º]

[fl. 52 v.º] Conta:

De verba n.º 5 …. 5400

São cinco escudos. Reg.º no liv.º de emol. Sob o n.º 130 [rubrica]».

Sobre esta matéria patrimonial, lançamos mão ainda de mais documentos manuscritos, de compra e venda, saídos da pena de Padre Américo, que interessa arquivar nesta sequência. Deste modo, fica registada para já uma declaração, escrita em nome do vendedor, encimada com o timbre — Casa de Repouso do Gaiato Pobre em Miranda do Corvo, mais o símbolo da Obra da Rua — a fotografia do Quim mau, tendo por baixo a legenda — Santuário de Almas. Eis o seu teor: « [p.1] Uma facha de terra de 80x16/ Declaração/ Eu, José Tomás, declaro q. vendi a Padre Américo d'Aguiar uma geira de terreno com 1280 m2, e mais uns bataréus, com cinco oliveiras e uma figueira, tudo a começar junto ao muro da quinta da Casa do Gaiato e a terminar na via [p.2] pública.

A venda foi feita por dois mil e quinhentos escudos, do q. já recebi mil, de sinal.

Logo q. venha procuração do Brazil, de minha sogra, fazemos escritura e recebo o restante.

Bujos, 3 Abril 1941.

José Tomaz [assinado pelo pp.º]

Testemunhas

João António

Jaime Rodrigues [assinado pelos pp.os».

Segue-se outra transcrição, de um documento no mesmo jeito, com letra de Padre Américo, referente à exploração de água. Tem no canto superior esquerdo o timbre CASA DO GAIATO por cima da foto do símbolo da Obra da Rua e a legenda Santuário de Almas. Diz assim:

«Bujos 27 Julho 1942/ Eu, Antero da Costa, declaro q. recebi mil escudos, para deixar explorar água, no meu terreno da Cavada, ao Vale Simões, à ordem do Padre Américo d'Aguiar.

Antero da Costa [assinado pelo pp.º]

Testemunhas,

Manuel Alves Ramos

Pedro Batista Barreira [assinado pelos pp.os]». No verso, uma estampilha fiscal de 0$90.

Volvido algum tempo desde a sua fundação, em tempo difícil da II Guerra Mundial, com carências básicas que também afectaram muito Portugal, o Padre Américo foi concluindo que era necessário ampliar os espaços envolventes, considerando a matriz pedagógica do factor natureza campo na recuperação e promoção dos garotos da rua e os pedidos crescentes de admissão de rapazes na Casa do Gaiato, conforme escreveu: «No fim do segundo ano, que foi Janeiro de quarenta e dois, os novos habitantes mal cabiam dentro do berço. Tornava-se necessário expandir e eu dirigi-me ao Norte a ver se dava com uma quinta. […]» [A Porta Aberta; Paço de Sousa: Tip. de «O Gaiato», 1952, p. 6].

Ainda encontrámos mais informações para este capítulo do património da Obra da Rua nos seus primórdios, considerando a importância de um ambiente saudável na vida e na sustentabilidade da Casa do Gaiato de Repouso do Gaiato Pobre.

Padre Manuel Mendes